Sou católico demais para ser católico

Por: Peter J. Leithart

Alguns amigos me informaram que meu nome tem circulado em diversas web-disputas entre católicos, ortodoxos e protestantes. Existem algumas pessoas nessas disputas — incluindo alguns amigos — que afirmam minha importante contribuição para que se afastassem do protestantismo. Foi pensando nisso que aceitei a sugestão de, novamente, explicar meus motivos para não mudar minha rota para Roma, Constantinopla ou Moscou, bem como meus motivos para não encorajar outros a seguir algum desses caminhos. O que direi aqui já foi antes dito em diversos lugares como o Theopolis, o First Things, em conferências e palestras diversas. Creio que, dessa vez, seja útil trazer minhas razões de modo mais conciso.

Um dos principais temas da minha vida pastoral e acadêmica — bem como uma das minhas grandes paixões — encontra seu ápice no desejo de participar do processo de cura da divisão da Igreja. Tenho escrito e pensado bastante sobre eclesiologia; participo de diversas iniciativas entre protestantes, católicos e ortodoxos (TouchstoneFirst ThingsCenter for Catholic-Evangelical Dialog). Considero diversos amigos, católicos e ortodoxos, como cobeligerantes em inúmeras causas e encaro católicos e ortodoxos como grandes aliados em diversos temas, não apenas em termos de guerras culturais, mas em teologia e vida eclesiástica.

Para mim, não se trata meramente de uma preferência ou nicho teológico. É fruto de uma profunda convicção sobre a natureza da Igreja. Ainda me lembro da dor que senti ao perceber — com auxílio de James Dunn — o objetivo de Paulo em Gálatas 2, quando atacou Pedro por afastar alguns da comunhão. A divisão da Igreja, especialmente desde a Reforma, tem sido, em grande parte, uma história de horror e tragédia, com ocasionais atos de divisões motivadas pela fidelidade no decorrer do caminho. Considero a divisão da Igreja como um dos grandes males do mundo moderno. Existe algo mais terrível do que ver Cristo ser crucificado novamente? Cristo não está dividido. Creio que nossa principal resposta ao meio milênio de divisão no seio da Igreja ocidental e ao milênio extra de divisão entre ocidente e oriente deveria ser um profundo lamento e nítido arrependimento.

Meu protestantismo — meu catolicismo reformado — não está de forma alguma em conflito com essa paixão pela unidade da Igreja. Não há tensão. Pelo contrário: é justamente por ser tão empolgado em poder testemunhar a unidade da Igreja que eu — não de modo relutante, mas de bom grado — permaneço onde estou. Meu motivo basilar para permanecer exatamente onde estou pode ser resumido da seguinte maneira: sou católico demais para ser católico — ou ortodoxo.

Estou de acordo com as principais objeções do protestantismo ao catolicismo e à ortodoxia oriental: certos ensinos e práticas católicas ofuscam a livre graça de Jesus Cristo; orações mediadas por Maria e pelos santos não apenas não são encorajadas ou permitidas pelas Escrituras, como podem desviar nossos olhos do único mediador, Jesus; não aceito as reivindicações papais do Vaticano I; acredito que iconodulia viola o segundo mandamento gerando, juntamente de venerações à hóstia consagrada, idolatria litúrgica; tanto no catolicismo quanto na ortodoxia a Tradição acaba por amordaçar a Palavra de Deus. Sou encorajado por muitos desenvolvimentos no catolicismo pós-Concílio Vaticano II, mas mesmo ele possui seus problemas, como o tratamento dado ao Islamismo na Lumen Gentium.

Concordo com essas objeções, mas não são elas que motivam minha permanência na fé protestante. Afinal, tenho também duras críticas a algumas linhas do protestantismo. Meu protestantismo — ou, melhor dizendo, meu catolicismo reformado — não se define por seu caráter negativo, mas positivo. Ele não é um protestantismo contrário a, mas em favor de: em favor da Igreja, em favor do ecumenismo, em favor da unidade, em favor da unidade do corpo de Nosso Senhor. Não se trata de ser muito anticatólico para ser católico: sou católico demais para ser católico.

Há uma pergunta que gostaria de fazer a qualquer protestante que esteja pensando em mudar para Roma ou Constantinopla: nessa mudança, o que você pretende afirmar sobre o seu passado? É seu desejo participar de uma mesa eucarística onde seus amigos protestantes não são mais bem-vindos? Como isso se diferencia da atitude de Pedro em afastar os gentios da comunhão? Você pretende afirmar que cada santo fiel que você conheceu está vivendo uma espécie de existência sub-cristã por não ser membro de alguma Igreja que reivindica sucessão apostólica, independentemente do quão frutíferas sejam suas vidas em fé, esperança e amor? No meu caso específico, eu precisaria concordar que minha própria ordenação é inválida e que, portanto, nunca presidi verdadeiramente uma Eucaristia. Me tornar católico seria sinônimo de começar a me referir aos meus irmãos protestantes, de modo extremamente ambíguo, como sento “irmãos separados” ao invés de verdadeiros irmãos em Cristo. Me tornar ortodoxo me faria passar novamente por todo o processo de iniciação na fé já que nunca fui validamente batizado. O que isso comunicaria aos meus irmãos protestantes que foram, portanto, inadequadamente batizados? Por que eu me distanciaria dos meus irmãos pra isso? Sou católico demais para fazer algo assim.

O catolicismo romano e a ortodoxia oriental são impressionantes por sua herança, pela seriedade de suas teologias e pela seriedade com que encaram o envolvimento cultural do cristão. Ambos, mas especialmente o catolicismo romano, são impressionantes por seu tamanho monumental. Contudo, quando vou a uma missa e sou impedido de me achegar à mesa de meu Senhor Jesus juntamente com meus irmãos católicos, não consigo ver uma real diferença entre católicos, o Sínodo Luterano de Wisconsin ou os reformados continentais que possuem uma prática exclusivista da eucaristia. Meus amigos católicos vão se ofender com isso, mas não há como fugir: deixando de lado seu tamanho e herança, como diferenciar o catolicismo de uma gigantesca seita? A ortodoxia e as Igrejas Batistas Fundamentalistas não caem no mesmo problema condenado por Paulo aos limitarem a mesa para qualquer um de fora? Para me tornar católico, eu precisaria contrariar todo o meu mundo eclesiástico. Precisaria, portanto, ser menos católico — menos católico do que o próprio Jesus. Por isso repito: sou católico demais para me tornar católico.

Um último motivo tem relação com o tempo. Muito da minha teologia sofre profunda influência da teologia bíblica de James Jordan. Ao final do livro Through New Eyes, Jordan argumenta como o Templo era algo inimaginável para os israelitas que viviam o período de colapso do sistema tabernacular. De igual modo, o futuro da Igreja também é inimaginável para nós. Não conseguimos ver o futuro; não temos como saber como Deus irá restaurar as peças de uma Igreja fragmentada. Podemos acreditar e confiar que ele já começou e concluirá essa obra de restauração. Hoje, no entanto, tudo o que temos acesso são as configurações do passado e do presente. É tentador pensar que o futuro da Igreja será uma extensão de alguma tradição existente — protestante, católica, ortodoxa, anabatista. O futuro nunca é, contudo, a mera extensão do passado e do presente (como argumentar o contrário diante do súbito e massivo crescimento do cristianismo no sul global?). Por isso permaneço firme e tranquilo em meu catolicismo reformado, bem como permaneço entusiasmado e impaciente para a Igreja que há de vir. Dessa Igreja ainda não sabemos nada, a não ser que ela não se parecerá com nada do que conhecemos. Adoramos um Deus vivo, o que significa que adoramos um Deus de surpresas constantes.

Tradução: Maurício Avoletta Júnior é casado, teólogo, doutorando em ciências da religião e auxiliar pastoral na Igreja esperança em Belo Horizonte, Minas Gerais.

Michael Ferreira

Michael Ferreira

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