Por que Douglas Wilson importa

Nota: devido ao interesse no ministério de Douglas Wilson gerado pela sua presença na conferência Consciência Cristã, publicamos este artigo escrito por um irmão anglicano que conhece o trabalho do pastor Wilson.

por Jesse Nigro

O nome de Douglas Wilson parece causar uma reação forte, igual e oposta naqueles cristãos que conhecem o seu ministério, e isso tende a ser menos um reflexo das convicções teológicas individuais do que da maneira como ele ou ela se deparou com o trabalho ou as ideias de Wilson. Por que alguns amam Wilson enquanto outros o odeiam? Bem, você o encontrou pela primeira vez na forma de um contundente post de blog criticando certas ortodoxias feministas de nossa época? Ou você estava participando de uma conferência da Associação de Escolas Cristãs Clássicas? Qual Doug Wilson você conhece melhor? Pastor? Blogueiro? Educador? Controversista? Ou você só se sintoniza aos Douguismos durante o mês de novembro (isso importa, surpreendentemente)? Pode-se facilmente argumentar que qualquer um desses rótulos aplicados ao Wilson é correto de uma certa perspectiva, o que é meio que um testemunho do impacto que ele está causando na cena cristã. O que espero transmitir agora é que, se considerarmos todo o ministério de Wilson, há muito que pode ser calorosamente recomendado aos cristãos para a edificação deles, incluindo a nós, os anglicanos. Com uma maior familiaridade, qualquer “aresta áspera” que ele tenha (e há algumas) torna-se mais fácil de entender. Certamente, não concordo com tudo o que Wilson diz ou faz, mas isso não me impede de reconhecer e recomendar seu trabalho em uma variedade de assuntos.

EDUCAÇÃO CRISTÃ CLÁSSICA

Como editor-chefe do The North American Anglican, esta avaliação refletirá minha perspectiva teológica anglicana e minhas convicções cristãs ortodoxas. Eu também escrevo como marido e pai tentando criar alegres filhos cristãos no meio de uma cultura hostil, razão pela qual também sou um educador cristão clássico. Todos esses fatores combinados tornam o contato com Wilson e sua influência praticamente inevitável. Suas contribuições na área da educação clássica são especialmente relevantes, pois muitos que mal conhecem Doug Wilson ou suas posições teológicas e culturais conservadoras são participantes ativos no movimento moderno de educação cristã clássica que ele iniciou com seu livro de 1991, “Recovering the Lost Tools of Learning”. Este livro examinou um ensaio da não-oficial “Inkling” e amiga de C.S. Lewis e J.R.R. Tolkien, Dorothy Sayers, que escreveu um ensaio como apelo por um retorno ao “trivium” clássico (gramática, lógica e retórica) e “quadrivium” (aritmética, geometria, astronomia e música), também chamados de 7 artes liberais. Quando Wilson buscou estabelecer uma escola cristã para atender à sua congregação de Christ Church em Moscow, Idaho, foi essa abordagem clássica que guiou a fundação da Escola Cristã Logos. Mais tarde, depois que sua filha completou o ensino médio lá, ele se comprometeu a fundar uma universidade cristã de artes liberais chamada New Saint Andrew’s. Para dar uma ideia do tipo de aluno que eles produzem, o ex-aluno da NSA Brad Littlejohn é agora presidente do Instituto Davenant e publicou várias obras sobre o ministro anglicano Richard Hooker, incluindo uma modernização em vários volumes das Leis da Política Eclesiástica de Hooker. Esses esforços se transformaram em um movimento na educação cristã e levaram à criação da Associação de Escolas Cristãs Clássicas, bem como dezenas de outras organizações produzindo seus próprios currículos, muitas vezes adaptados ao seu contexto específico; Classical Conversations no mundo do ensino doméstico e a Chesterton Academy Network para os católicos romanos. De uma forma ou de outra, todos esses pais e educadores têm a agradecer a Doug Wilson por trazer o ensaio de Sayers e o framework clássico que ele promove de volta às conversas cristãs de maneira tão poderosa. Quando se considera o alcance e o impacto apenas da Associação de Escolas Cristãs Clássicas, é fácil entender por que tantas pessoas estão agradecidas pelo trabalho de Doug Wilson. 

Do site da AECC:

  • Representamos mais de 400 escolas membros e escolas credenciadas.
  • Patrocinamos o evento Repairing the Ruins em junho de cada ano. Esta é a maior conferência nacional sobre educação cristã clássica, com cerca de 80 fornecedores e mais de 1000 educadores presentes.
  • Organizamos e fornecemos um conjunto abrangente de recursos para ajudar a iniciar novas escolas e melhorar as escolas estabelecidas.
  • Representamos a educação cristã clássica nacionalmente.
  • Ajudamos a direcionar quase 50.000 pais por ano para uma escola cristã clássica nas proximidades.

O CATOLICISMO REFORMADO

Como pastor e teólogo, Doug Wilson também fez um grande impacto com sua escrita e o seu ministério nas áreas de teologia e eclesiologia. A Comunhão de Igrejas Evangélicas Reformadas (CREC) é uma denominação conservadora e protestante formada em 1998. Além da Christ Church em Moscow, ID, a CREC agora é representada por dezenas de congregações, com presença nacional e internacional (nota bene: inclusive no Brasil). Além de Wilson, a CREC é lar eclesiástico a vários teólogos conhecidos, incluindo o estudioso bíblico James Jordan, e Peter Leithart, que estudou sob o teólogo anglicano John Milbank, é presidente do Instituto Theopolis em Alabama, e é amplamente considerado um importante estudioso litúrgico em círculos anglicanos. Esses três eram, em tempos passados, associados a um movimento teológico no mundo reformado chamado “visão federal”. Muito parecido com movimentos de teologia “high church” na teologia reformada do passado (a teologia de Mercersberg, por exemplo), eles enfatizaram uma teologia sacramental que os colocou em desacordo com certos presbiterianos, mas, francamente, os fez soar bastante anglicanos em tais pontos. Eu não acredito que nenhum desses homens reivindique a “Visão Federal” hoje, mas a união de distintivos teológicos reformados com uma visão elevada da eficácia sacramental tornou seu trabalho, incluindo o de Wilson, uma fonte contínua de interesse nos círculos anglicanos. Nem todos estão entusiasmados com a teologia de Wilson, obviamente. Ele é calvinista e pressuposicionalista (eu não sou nenhum dos dois), e ainda assim sua trajetória o levou para o amplo campo do “catolicismo reformado” que os anglicanos ocupam. Parte do apelo de Wilson é que ele não hesita em aplicar sua lente teológica a todos os aspectos da vida cristã, o que me leva a comentar sobre seu trabalho mais amplo, o “cultural”.

PROSPERANDO NO “MUNDO NEGATIVO”

Todo cristão maduro que vive no Ocidente moderno deve entender agora que o mundo em que vivemos tornou-se cada vez mais hostil às convicções e aos valores cristãos. Este estado atual da vida cristã é o que Aaron Renn chamou de “mundo negativo” em um artigo famoso em First Things, e a tensão inerente, às vezes chamada de “guerra cultural”, inspirou uma variedade de respostas de líderes cristãos ortodoxos. Uma dessas respostas que repercutiu nos últimos anos são as propostas do jornalista Rod Dreher, articuladas em seu livro A Opção Beneditina. Esse livro recomenda que os cristãos coloquem grande ênfase em fortalecer suas comunidades por meio de tradições catequéticas e práticas para resistir com sucesso às tempestades de uma cultura secular hostil, mantendo sua integridade intacta. O elemento “beneditino” ressoou com muitos escritores anglicanos (exemplos aqui e aqui), observando que nossa própria tradição do Livro de Oração Comum fornece uma “regra” especial que podemos usar. Digo tudo isso porque muitas pessoas notaram que os esforços de Doug Wilson para construir igrejas, escolas e instituições de ensino superior em Moscow, Idaho são um exemplo primordial de uma comunidade de “opção beneditina” (mesmo que o próprio Dreher pareça ressentir-se da associação). O cuidado pastoral de Wilson por seu rebanho não se limita às manhãs de domingo, mas seus esforços se estendem à preocupação com as maneiras pelas quais uma cultura hostil pode atacar a fé na vida cotidiana. Essa preocupação pelo cristianismo em termos culturais é especialmente expressa em sua escrita e nos empreendimentos de publicação, educação e mídia da editora Canon Press.

Um breve olhar no site da Canon Press (agora um aplicativo, Canon+) transmitirá imediatamente a atitude confiante, alegre e atraente que essa comunidade de fiéis está cultivando através de uma variedade de mídias. Embora os assuntos abordados frequentemente estejam ao longo das linhas de conflito entre crenças bíblicas e novas ortodoxias seculares; sexualidade humana, famílias tradicionais, educação, mídia de entretenimento, etc… você tem uma ideia de por que esses recursos são tão amados, especialmente por famílias que desejam criar seus filhos no caminho certo. Suas crescentes ofertas de mídia infantil e familiar são impressionantes o suficiente para lembrar o auge de Focus on the Family (eu adorava Adventures in Odyssey). Claro, aqueles que tendem a se orientar por uma bússola moral secularizada (dentro e fora da igreja) às vezes se ofendem com o conteúdo, o que geralmente serve como uma recomendação para os fiéis.

Essa visão de renovação cristã e cultural se estende também para as artes litúrgicas. Rapidamente se percebe pelos líderes da Christ Church, Colégio Logos e New Saint Andrews que eles veem a adoração como uma forma de guerra espiritual. O Diabo odeia ouvir os filhos de Deus proclamando o Evangelho ao mundo. Por isso, não é surpresa que a New Saint Andrew’s organize um acampamento anual de música de verão para treinar crianças na arte e espiritualidade da adoração cristã de maneira divertida. O site deles afirma: “Tivemos mais de 390 alunos de todo os EUA e de outros países que vieram para Moscow, Idaho para participar do nosso Acampamento de música do verão de 2023”, mostrando o amplo impacto e recepção desse ministério no corpo de Cristo.

NADA DE ESTRANHO A ESCÂNDALOS

Então, por que algumas pessoas desprezam Wilson? Bem, além de algumas simplesmente não gostarem de suas visões conservadoras sobre a cultura, alguns conservadores concordam com “o que” ele diz, enquanto objetam à “maneira” como ele o diz. Por exemplo, nos últimos anos, todo novembro é o “Novembro Sem Concessões” para Wilson, no qual ele não realiza sua típica moderação retórica, mas prefere uma abordagem mais direta. Aqueles que pensam que Wilson está sempre agindo como um “touro em uma loja de porcelana” podem se surpreender ao saber de seu comprometimento habitual com a contenção focada, mas lá está. Além disso, Wilson tem apresentado algumas opiniões controversas no passado. Ele foi chamado de “racista” por sua visão de que a escravidão poderia ter sido abolida no Sul dos Estados Unidos sem a tremenda perda de vidas resultante da Guerra Civil norteamericana. Para a pessoa que está predisposta a não gostar de Wilson por suas visões conservadoras ou seu estilo, essa descoberta pode parecer um “tiro certeiro” de heresia, ou pior. No entanto, uma cuidadosa análise da questão por Thabiti Anyabwile (uma voz teológica respeitada sobre raça) para a Coalizão pelo Evangelho mostra que certo ou errado, Doug Wilson não pode ser chamado de racista por essa visão. Os acordos e as diferenças entre os dois foram detalhados em um artigo escrito em conjunto mais tarde no mesmo ano. Reproduzo o trecho final desse artigo aqui, porque acredito que Anyabwile e Wilson representam o tipo de caridade graciosa e temperada que todos devemos buscar ao discordar sobre questões importantes:

É possível que os cristãos discordem sobre questões voláteis. É possível — e, de fato, necessário — fazê-lo de maneira caritativa. A forte discordância nos faz sentir como inimigos e estranhos, enquanto a caridade nos lembra de nossa irmandade em Cristo. A forte discordância testa os vínculos de nossa comunhão e amor mútuo, enquanto o amor genuíno cobre uma multidão de pecados e mantém todas as virtudes juntas. Acreditamos que experimentamos tanto a tensão testadora da forte discordância quanto os vínculos preservadores do amor bíblico. Agradecemos a Deus por isso mesmo ao discordarmos sobre algumas coisas, concordamos sobre outras e esperamos ser fiéis ao nosso Mestre comum em tudo. Acreditamos que é assim que parece o trabalhar pela preservação da unidade do Espírito no vínculo da paz — às vezes, é um pouco confuso, mas acreditamos que agrada a Deus.

Para concluir, não acredito que ninguém seja obrigado a “gostar” de Doug Wilson ou de suas ideias, mas espero que uma pessoa espiritualmente madura (e adequadamente informada), especialmente alguém que carrega a responsabilidade de pastor, consiga ver facilmente como o trabalho e o legado de Wilson são uma fonte de alimentação espiritual para inúmeros cristãos ao redor do mundo. Isso inclui muitas pessoas em posições importantes e respeitáveis no ensino superior e no ministério da Igreja Anglicana. Apresso-me a acrescentar que muitos dos “fãs” de Wilson não gostam de tudo que ele diz ou escreve, o que é um sinal de um cristão maduro, certo? Apenas outro dia, um amigo encanador estava ajustando a pressão da água em minha casa e começou a compartilhar suas próprias opiniões sobre o trabalho de Wilson, “Eu gosto disso, mas ele está totalmente errado nisso” era a ideia geral. C.S. Lewis é uma espécie de pai espiritual e padroeiro para mim, mas eu poderia facilmente dizer o mesmo sobre o Wilson. Vamos ter cuidado para não deixar nossas paixões infectarem nosso pensamento ao avaliar toda a vida e ministério de um homem, ou ao tentar espiar os corações e as intenções ocultas daqueles que veem algo de valor lá. Além disso, seja lá o que os anglicanos pensem de Doug Wilson, pelo menos ele tem coisas boas a dizer sobre nós, se seu artigo apresentado nesta mesma revista, intitulado “Por Que os Anglicanos Importam para o Resto de Nós“, for alguma indicação.

Jesse Nigro é Editor-chefe do The North American Anglican e mora em Omaha, Nebraska, EUA, com sua esposa e filhos, onde leciona filosofia em uma escola clássica. Obteve seu Bacharelado em filosofia pela Creighton University e seu Mestrado em teologia pela Concordia University em Irvine, Califórnia. Jesse atua como editor e colaborador no The North American Anglican desde 2012.

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