
por Mark Horne, tradução Gabriel Amaral
Imagine dirigir até a Argentina e parar em um restaurante para comer algo. Enquanto você está sentado à mesa, um jovem entusiasmado se aproxima de você e diz com voz animada: “Você é brasileiro?”
Você responde: “Sim, sou.”
“Maravilhoso! Tenho tão pouca convivência aqui com outros brasileiros.”
“Você mora na Argentina há muito tempo?” você pergunta.
“Oh sim, a vida toda. Nasci aqui.”
“Ah… Então seus pais eram brasileiros?”
“Não, infelizmente meus pais permaneceram argentinos a vida toda.”
“Então como você se tornou brasileiro?”
“Bem, um dia encontrei um folheto que me falou sobre ideias brasileiras. Fiquei fascinado pelo poder delas e as adotei como minhas. Pode-se dizer que nasci de novo. Desde então, acredito no brasileirismo. Parei de tomar vinho e hoje só bebo cachaça. Abandonei a parrilla e hoje só como feijão com arroz. Decorei o Hino Nacional, o Hino à Bandeira, muitas partes da maravilhosa Constituição Federal de 1988, e acompanho a TV Câmara e a TV Justiça todos os dias.”
Claro. Isso nunca aconteceria.
O Brasil não é um ‘ismo’ — um mero conjunto de ideias como o marxismo ou o confucionismo. Todos sabemos que as nações são realidades sociais objetivas, envolvendo cidadania, autoridade governamental, fronteiras, direitos, privilégios e deveres. Claro, nem todas as nações são geograficamente específicas. Os judeus existiram por séculos como uma nação distinta sem uma terra ou governo civil particular. Os ciganos, os curdos e os bascos são semelhantes. No entanto, ser judeu, cigano, curdo ou basco não depende simplesmente de acreditar ou não em certas coisas no seu coração. Isso faz parte do quadro, mas não é tudo.
Compreendendo Deus equivocadamente
Tanto no Ocidente quanto no Oriente, as pessoas geralmente pensam no ser que chamam de “Deus” como algum tipo de força vaga e fantasmagórica à qual não é possível se aproximar exceto por meio de algum tipo de contemplação igualmente vaga, interior — frequentemente chamada de “espiritual”. Na melhor das hipóteses, esse “Deus” é considerado pessoal, e o exercício “espiritual” envolve comunicação verbal — oração. No entanto, por mais importante que a oração seja, dificilmente é uma forma adequada, por si só, de se relacionar com uma pessoa real. A crença em tal Deus muitas vezes se assemelha ao amigo imaginário de uma criança.
Em contraste com essa visão popular, o Deus apresentado nas Escrituras hebraico-cristãs é uma pessoa real, que tem relacionamentos reais com os seres humanos. Mais do que isso: Ele é um grande rei sobre todo o universo (que Ele mesmo criou, em primeiro lugar). Pessoas que estão corretamente relacionadas com Ele são consideradas membros de Seu reino, cidadãos de Sua comunidade. Nas palavras de São Pedro, escrevendo para tais pessoas: Vós, porém, sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus, a fim de proclamardes as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz; vós, sim, que, antes, não éreis povo, mas, agora, sois povo de Deus, que não tínheis alcançado misericórdia, mas, agora, alcançastes misericórdia (1 Pedro 2:9 e 10, ARA).
São Pedro está citando as palavras de Moisés que Deus lhe deu para dizer à nação de Israel: Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então, sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos; porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa. São estas as palavras que falarás aos filhos de Israel (Êxodo 19:5 e 6, ARA). Seja uma sociedade nacional, como na época de Moisés, ou uma sociedade internacional, como na época de São Pedro e até hoje, Deus sempre foi alguém que teve relacionamentos reais com os seres humanos. Porque ele é um rei, a sociedade formada por esses relacionamentos só pode ser um reino.
Mas há mais. Deus não é apenas uma pessoa real, mas também se revelou como três pessoas. Isso é extremamente misterioso e completamente estranho às concepções de Deus postuladas por todas as outras religiões, mas é inescapável da forma como Deus atuou na história. Deus enviou Jesus a nós e, ao fazê-lo, enviou a si mesmo — Deus com um rosto humano. Jesus reivindicou e provou ser ele mesmo Deus. Além disso, ele revelou Deus como “Pai” e falou com ele como outra pessoa. Finalmente, ele prometeu “o Espírito”, e deixou claro que o Espírito era uma pessoa, uma pessoa tão Deus quanto Ele mesmo e o Pai. Assim, a tradição cristã desenvolveu o termo Trindade para enfatizar a “trinitaridade” de Deus como Pai, Filho (Jesus) e Espírito Santo.
Note que a Trindade é, como eu disse, muito misteriosa, mas suas implicações são impressionantes, porque significa que Deus é uma sociedade. Desde antes do tempo começar, o Pai, o Filho e o Espírito têm desfrutado de um relacionamento de amor. Ao iniciar um relacionamento com os seres humanos, Deus os atrai para o relacionamento eterno de amor que existe entre as pessoas da Trindade. Jesus expressou essa idéia da seguinte forma, quando estava orando a Deus por seus discípulos: Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos; eu neles, e tu em mim, a fim de que sejam aperfeiçoados na unidade, para que o mundo conheça que tu me enviaste e os amaste, como também amaste a mim (João 17:22,23, ARA).
Perceba aqui que a gloriosa unidade que seus discípulos devem ter não é algum estado interno, mas uma unidade visível que ninguém ao redor pode negar. Jesus quer que seus seguidores formem uma sociedade objetiva a fim de demonstrar que Deus é uma sociedade — uma comunidade de amor entre o Pai, o Filho e o Espírito, à qual fomos incorporados como membros.
Então, porque Deus é uma pessoa real com autoridade régia, seus seguidores não podem deixar de ser formados em um reino real, assim como o Canadá ou qualquer outra nação. E, porque Deus é uma comunidade, seus seguidores não podem deixar de ser formados em uma comunidade real. Esse Deus é uma pessoa real e tratando-se de pessoas, isso significa que podemos ter um relacionamento real com ele. Essa rede de relacionamentos, essa sociedade, reino ou comunidade é conhecida como a Igreja.
Alienação e Reconciliação
Nem todas as pessoas são membros da Igreja. Isso é bastante estranho. Afinal, Deus é o Deus de todos, pois Ele criou a todos. Por que nem todos pertenceriam ao seu reino e comunidade?
De acordo com a Bíblia, houve um tempo em que toda a humanidade fazia parte da comunidade de Deus. Na verdade, eles eram a família de Deus. Segundo o Evangelho de Lucas, Adão, o primeiro ser humano, era filho de Deus. Isso não significa que Adão tinha a mesma natureza de Deus. A Bíblia é muito clara ao afirmar que Adão (e depois, sua esposa Eva) foi criado por Deus, não derivado dEle de alguma forma. No entanto, Deus fez Adão e Eva, segundo a Bíblia, “à imagem de Deus”, e os adotou como parte de sua família. Assim, naquela época, toda a raça humana pertencia ao reino e à comunidade de Deus, exatamente como se esperaria.
Mas Adão e Eva se rebelaram contra Deus ao duvidar dele e, depois, desobedecendo-lhe. Como resultado, toda a raça humana ficou alienada e órfã de Deus. Adão e Eva foram exilados da presença de Deus e expulsos de seu reino. Como Deus é a fonte de toda a vida, eles e seus filhos ficaram sob o poder da morte.
No entanto, Deus não deixou a raça humana à mercê de sua miséria. Pelo contrário, ele começou imediatamente a prometer e trabalhar pela reconciliação com a raça humana. Noé, Abraão, Davi e muitos outros na Bíblia foram restaurados à comunhão com Deus. Sua desobediência foi perdoada e eles foram reconciliados como parte da nova comunidade de Deus. De fato, do começo ao fim, a Bíblia trata principalmente da história da segunda sociedade de Deus para a humanidade. Ele chamou pessoas e as usou para formar uma rede de novos relacionamentos restaurados consigo mesmo. Dentro dessa nova sociedade, ele prometeu o perdão de toda desobediência e a ressurreição do corpo para que a maldição da morte fosse desfeita.
Já mencionei que a nação de Israel sob Moisés era chamada de “reino de sacerdotes”, o mesmo termo que mais tarde foi dado à Igreja internacional. Mas Israel não era apenas considerado o reino sacerdotal de Deus, mas também sua família. Moisés disse aos israelitas: Filhos sois do Senhor, vosso Deus (Deuteronômio 14:1, ARA), e Deus disse por meio de Moisés: Israel é meu filho, meu primogênito. Obviamente, ao reconciliá-los consigo mesmo, Deus fez de Israel parte de sua família. Como a raça humana, de certa forma, “fugiu de casa”, aqueles da raça humana restaurados ao reino de Deus foram restaurados ao seu status de filhos de Deus — eles foram restaurados à família de Deus.
Como Deus realizou essa reconciliação? Como ele proporcionou adoção e perdão das ofensas para essas crianças fugitivas? A resposta está em Jesus de Nazaré. São Paulo escreveu: vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção de filhos (Gálatas 4:4,5, ARA). Deus Filho tornou-se e permanece um verdadeiro ser humano para que nós, humanos alienados, possamos nos tornar filhos e filhas de Deus. Ele sofreu a morte em nosso lugar. Além disso, Jesus ressuscitou dos mortos e recebeu nova vida de Deus, para que nós também recebamos nova vida. Essa vida de Deus é dada por Seu Espírito. O Espírito nos torna parte de Jesus, e Jesus parte de nós, para que tudo o que Jesus fez conte para nós. Aqueles incorporados em Jesus pelo Espírito recebem uma relação correta com Deus porque compartilham da relação de Jesus com seu Pai. Em Jesus, temos reconciliação.
E isso significa que na Igreja temos reconciliação. A Igreja, afinal, é considerada, de uma maneira misteriosa mas muito real, o corpo de Jesus. Como São Paulo escreveu: Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados […] Ele é a cabeça do corpo, da igreja […] (Colossenses 1:13-14, 18a, ARA).
Entrando e Permanecendo no Reino
A Igreja, como uma sociedade internacional manifestada em congregações locais, é o povo de Deus. Ela é tanto o objeto quanto o meio da reconciliação — a restauração da amizade com Deus através de Jesus no Espírito.
Você precisa ir à Igreja? Depende do que você quer. Você quer permanecer alienado de Deus ou quer ser reconciliado com Ele?
No final, tudo se resume à confiança. A Igreja não parece grande coisa nos nossos dias. Escândalos envolvendo o clero são noticiados quase semanalmente. Muitos sermões são frequentemente inúteis, isso quando não são verdadeiramente prejudiciais. Além disso, tornar-se membro de uma congregação local e participar regularmente do culto implica uma limitação real a muitos estilos de vida. Muitos conseguem pensar em lugares onde prefeririam estar na manhã de domingo, em vez de com a Igreja. E ingressar em uma igreja local quase sempre envolve abrir mão de um grau de autonomia pessoal, algo que todos nós tendemos a valorizar muito.
Mas, se você confia em Deus — se você acredita não apenas que Ele existe, mas que Ele cumpre suas promessas na Bíblia — então nenhum sacrifício poderia ser grande demais. Deus promete salvar seu povo, perdoar seus pecados e ressuscitá-los para uma nova existência gloriosa. Ele nos deu uma garantia dessa promessa ao ressuscitar Jesus dentre os mortos pelo seu Espírito. Esse mesmo Espírito atrai as pessoas para a Igreja que Jesus fundou por meio dos Apóstolos. Nada que o mundo tenha a oferecer pode se comparar a coisas tão grandiosas. Juntar-se a uma igreja e adorar a Deus corporativamente com regularidade é simplesmente uma demonstração de fé em Jesus — de confiança que Deus está reconciliando o mundo consigo mesmo e que você precisa dessa reconciliação.
Claro, essa fé deve incluir confiança em Jesus como aquele que sofreu por nós e ressuscitou como nosso representante. Devemos orar a Ele em particular e ler Sua Palavra na Bíblia. Mas Deus chama seu povo para a comunhão, para fazer parte de sua família e reino, para adorá-Lo publicamente e corporativamente, e para interagir uns com os outros como irmãos e irmãs e como concidadãos.
O que você está esperando?