DEUS É CONTRA A BEBIDA ALCOÓLICA? [PARTE IV]

Por Kenneth L. Gentry Jr.

Este é o meu quarto artigo da série analisando textos da Escritura que aparentemente proíbem qualquer consumo de bebida alcoólica. Nós estamos descobrindo então, que esses versículos têm sido lidos fora de contexto e sem o devido cuidado.
Continuemos:

Provérbios 23: 31-32
Não olhes para o vinho quando se mostra vermelho,
quando resplandece no copo e se escoa suavemente
No fim, picará como a cobra,
e como a víbora morderá.

Sem dúvida, esta passagem é um dos textos mais frequentemente empregados no debate sobre o consumo de vinho. De fato, o proibicionista Reynolds, em seu livro “Álcool e a Bíblia” , não apenas abre seu principal argumento (p. 9) com esta passagem, mas também encerra seu livro referindo-se a ela (p. 64). Ele cita esta passagem mais de vinte vezes em sua obra subsequente, ” Abordagem Bíblica ao Álcool“. Podemos afirmar com justiça que, de acordo com Reynolds e outros de mesma convicção, esta passagem é a declaração proibicionista mais significativa e convincente nas Escrituras. Reynolds comenta: “A intenção deste ensaio é provar que Provérbios ensina uma proibição absoluta contra o uso de bebidas alcoólicas” Antes de interpretar a passagem, portanto, será útil citar algumas das observações de Reynolds sobre ela.

Argumento de Reynolds

Em uma seção intitulada “A Proibição Absoluta de Provérbios 23:29-31”, descobrimos os seguintes comentários: “É verdade que hipérboles ocorrem na Bíblia, mas não se pode ler Provérbios 23:29-35 sem chegar à conclusão de que Deus está falando de algo que Ele detesta como um artigo para consumo humano. Não há nenhuma sugestão de que uma coisa boa que Ele nos deu para desfrutarmos esteja em vista aqui. É veneno de víbora (versículo 32) e a ordem é não olhar para ele.”

Reynolds então argumenta a partir do que considera uma situação paralela. Ele observa que, quando Ló deixa Sodoma, Deus o proíbe de olhar para trás, para a cidade (Gn 19:17ss). Isso se deve à maldade moral que infesta Sodoma. Daí a proibição absoluta de Deus. Assim, Deus, “também proibiu absolutamente a observação de certo tipo de yayin (Pv 23:31). … A proibição é absoluta, como a de olhar para Sodoma”. Na visão de Reynolds, a proibição absoluta está aqui em Provérbios 23 e não em outras referências ao yayin , porque o vinho é especificamente designado como “tinto”. Como já observei anteriormente, a ideia por trás dessa designação “tinto” é que ele é alcoólico, causando vermelhidão nos olhos e no nariz quando consumido. Assim, ele conclui: “É pueril supor que este mandamento não deva ser levado a sério e que a proibição não seja absoluta. Todas as proibições de Provérbios 23 são absolutas.”

Minha Resposta
Reynolds sugere alguns argumentos intrigantes baseados em considerações lexicais que sustentam sua visão de que “vermelho” indica “alcoólico”. E ele pode estar correto nessa observação. Podemos, no entanto, concordar com seu ponto de vista sem alterar o argumento moderacionista. Observe as seguintes considerações sobre a substância de seus argumentos:

Primeiro, precisamos dissociar esta passagem de seus contextos próximo, distante e último para que ela possa ser interpretada como tal. O contexto próximo é extremamente claro: a advertência e a admoestação se aplicam especificamente aos abusadores imoderados de vinho:

29. Para quem são os ais? Para quem são as tristezas? Para quem são as contendas? Para quem são as queixas? Para quem são as feridas sem causa? Para quem são os olhos vermelhos?
30. Para os que se demoram no vinho, para os que vão provar vinho misturado.
31. Não olhes para o vinho quando se mostra vermelho, quando resplandece no copo, quando se escoa suavemente;
32. No fim, morde como a serpente e pica como a víbora.
33. Os teus olhos verão coisas estranhas, e a tua mente proferirá coisas perversas.
34. E serás como aquele que se amarra no meio do mar, ou como aquele que se deita no topo de um mastro.35. Bateram-me, mas não fiquei doente; bateram-me, mas não o percebi. Quando acordarei? Procurarei outra bebida.

Como um contexto poderia ser mais claro? Aqui, Provérbios descreve específica e cuidadosamente a pessoa a quem admoesta. Essa pessoa exibe todas as características emocionais, sociais e físicas do bêbado: depressão (v. 29a), um espírito contencioso (v. 29b) e uma aparência física reveladora (v. 29c). Aqui temos diante de nós aqueles que “se demoram no vinho” (v. 30). Esses bêbados desenvolveram delírios induzidos pelo álcool (v. 33), desorientação (v. 34) e desapego (v. 35a, b). Mas, apesar de tudo isso, tal viciado em vinho se recusa a abandoná-lo (v. 35c).

Em sua obra posterior, Reynolds considera “estranho” meu argumento de que esta passagem confronta o bêbado. Ele afirma que os bêbados não são abordados “diretamente” porque “não se presume que sejam ensináveis”. Em vez disso, neste contexto, o escritor dirige a ordem “a ti”, não “a este viciado miserável”. Esta é certamente uma afirmação notável: as Escrituras desistem daqueles que se deixam levar pela embriaguez? Não deveríamos ministrar ao alcoólatra e confrontá-lo com base nas Escrituras? E por que é apenas o bêbado que não pode ser ensinado; por que não aqueles dominados por outros pecados viciantes (como promiscuidade ou cobiça)? Provérbios 24:15 não confronta diretamente o ladrão avarento?
Não armes ciladas contra a habitação do justo,
ó ímpio, nem assoles o seu lugar de repouso,

Na verdade, a Bíblia lida diretamente com os bêbados, alertando-os sobre sua condenação: na legislação do filho rebelde, os pais obviamente tentam repreender e corrigir por um período de tempo (Dt 21:20). Embora sem sucesso, a tentativa é feita. De fato, Joel 1:5 se dirige expressamente ao bêbado:
Despertem, bêbados, e chorem;
lamentem-se, todos vocês, bebedores de vinho,
por causa do vinho doce,
que foi cortado de suas bocas.

Além disso, o contexto mais amplo de Provérbios 23 é quase tão útil. Os versículos 20-21 nos preparam para o aviso do versículo 31:

Não esteja com os beberrões de vinho,
nem com os comilões de carne;
porque o beberrão e o comilão cairão em pobreza,
e a sonolência vestirá o homem de trapos.

Além disso, Reynolds está certamente errado quando declara abertamente: “a proibição de Provérbios 23:31 não é devidamente explicada de nenhuma outra forma que não seja total”. Mas isso não proíbe universal e absolutamente o consumo de vinho, assim como o versículo 4 do mesmo capítulo não proíbe universal e absolutamente a acumulação de riqueza:

Não te fatigues para enriqueceres;
e não apliques nisso a tua sabedoria.

Afinal, o Senhor concede ao seu povo obediente “o poder de enriquecer” (Dt 8:18) e promete abundância econômica em troca da fidelidade à aliança (Dt 28:1:14; cf. Gn 13:2; Jó 1:1-3). Devemos entender Provérbios 23:4 contextualmente. Ele alerta contra a sede indiscriminada , a ambição impulsiva de enriquecer, que é muito semelhante à do alcoólatra que entrega a sua vida a uma sede indiscriminada de bebidas.

Por fim, o contexto final é toda a Escritura, que claramente não proíbe o consumo moderado de “vinho envelhecido” (Is 25:6), “bebida forte” (Dt 14:26) ou “todo tipo de vinho” (Ne 5:18). O “efeito alegre” do vinho é aceitável, pelo menos até certo ponto (Sl 104:15; Ec 9:7; 10:19; 2 Sm 13:28; Et 1:10; Zc 9:15; 10:7; Jz 9:13).

Em segundo lugar, Reynolds distorce uma figura presente em Provérbios 23:32. O texto não diz: “É veneno de víbora”. Em vez disso, alerta: “No fim, morderá como serpente e picará como víbora”. Um mundo de diferenças separa a realidade (“é”) da analogia (“é como”). É somente “no fim”, depois de “permanecer por muito tempo”, que o vinho se torna prejudicial “como” uma víbora. O abuso do vinho está em questão aqui, não o consumo.

Esse aspecto, é um pouco semelhante a Isaías 1:10-14, que diz:
Ouvi a palavra do Senhor, vós poderosos de Sodoma;
dai ouvidos à lei do nosso Deus, ó povo de Gomorra.
De que me serve a mim a multidão de vossos sacrifícios, diz o Senhor?
Já estou farto dos holocaustos de carneiros, e da gordura de animais cevados;
nem me agrado de sangue de bezerros, nem de cordeiros, nem de bodes.
Quando vindes para comparecer perante mim,
quem requereu isto de vossas mãos, que viésseis a pisar os meus átrios?
Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e as luas novas, e os sábados,
e a convocação das assembleias; não posso suportar iniquidade, nem mesmo a reunião solene.
As vossas luas novas, e as vossas solenidades, a minha alma as odeia;
já me são pesadas; já estou cansado de as sofrer.

Nessas circunstâncias específicas, os sacrifícios, ofertas, incenso, assembleias e festas, ordenados por Deus, são um fardo insuportável para o Senhor (vv. 13-14). Obviamente, o contexto deve nos informar por que Deus odeia essas coisas boas. E de fato o faz: os governantes de Israel vivem como os de Sodoma, o povo como o de Gomorra (v. 10). Suas mãos estão “cobertas de sangue” (v. 15). Em suma, neste momento, Israel é uma nação pecadora.
Ai, nação pecadora, povo carregado de iniquidade, descendência de malfeitores, filhos corruptores; deixaram ao Senhor, blasfemaram o Santo de Israel, voltaram para trás. (v. 4)

Deus não aceita a adoração do hipócrita e do rebelde.

Terceiro, a ilustração particular de Reynolds destrói seu próprio argumento. Uma leitura atenta de Gênesis 19 indica a natureza limitada da proibição imposta a Sodoma e Gomorra. Deus proíbe Ló e sua família de olharem para trás (v. 17) enquanto a ira divina recai sobre aquelas cidades. A esposa de Ló olha para trás naquele momento e morre (v. 26). Mas Abraão olha para as cidades logo após o julgamento e sobrevive (vv. 27-28). O mesmo acontece com o alcoólatra persistente (Pv 23:30), aquele que recusa a moderação (v. 35) — a sabedoria o proíbe de olhar para o vinho.

Michael Ferreira

Michael Ferreira

Rolar para cima