Por Kenneth L. Gentry, Jr.
Nessa pesquisa de supostas passagens que negativamente apontam o consumo do álcool, chegamos talvez a passagem mais usada, Provérbios 20:1.
Provérbios 20:1
O vinho é escarnecedor, a bebida forte alvoroçadora;
e todo aquele que neles errar nunca será sábio.
Embora não esteja vinculada a uma única circunstância, esse versículo não se aplica universalmente à proibição de beber vinho. A declaração se refere ao potencial inebriante do vinho e das bebidas fortes, dos quais o usuário deve estar atento. Ele alerta aqueles que o usam de forma imoderada. Observe o seguinte:
Em primeiro lugar, o padrão geral de advertência. O aviso “vinho é escarnecedor” segue o padrão de 1 Coríntios 8:1, que diz: “conhecimento o torna arrogante”. Óbvio que nem a ética cristã nem uma cosmovisão bíblica menosprezam a busca pelo conhecimento como uma função própria dos seres racionais em geral, ou dos cristãos em particular. De certa forma, o consumo de vinho e a busca pelo conhecimento são parecidos e trazem responsabilidades com eles. Ou seja, cada um pode ser usado para o bem ou para o mal. O ponto de Provérbios é que o vinho tem o potencial para escarnecer, o mesmo ponto de Paulo é que o conhecimento tem o potencial para tornar alguém arrogante. Não são todos que tem conhecimento que são “arrogantes”. Nem todos que bebem vinho se tornam “escarnecedores” ou “brigões”.
Em segundo lugar, os detalhes específicos da advertência. Esse aviso fala sobre o abuso de vinho, e não apenas por analogia. O comentário de Delitzsch nesta passagem vai direto ao ponto:
“O vinho é um escarnecedor, porque aquele que está intoxicado com ele prontamente zomba do que é sagrado; o hidromel é turbulento … porque aquele que está embriagado em sua loucura dissoluta rompe os limites da moralidade e da propriedade. É insensato aquele que, por meio do vinho e similares, ou seja, dominado por ele (cf. 2 Sm. 13:28), cambaleia, ou seja, entrega-se ao vinho a tal ponto que não é mais senhor de si mesmo.”
Ele acrescenta que o escritor está se referindo ao “desejo apaixonado e servil do vinho ou pelo vinho”. É por isso que ele segue a declaração “o vinho é escarnecedor, a bebida forte briguenta” pelo comentário “aquele que se embriaga com ele não é sábio”. Assim, o próprio contexto indica claramente que o abuso do vinho, o consumo desordenado de bebida forte é a preocupação.
Em terceiro lugar, o contexto mais amplo da advertência. O intérprete bíblico não deve ser seletivo em sua abordagem das Escrituras. Não devemos separar os versículos de seus contextos específicos mais amplos, nem extraí-los de todo o sistema da ética bíblica. Apresentei uma grande quantidade de evidências ao leitor interessado – evidências que apoiam de forma esmagadora a posição moderada. Lembre-se de que em outras partes das Escrituras aprendemos que o próprio Deus nos dá “vinho que alegra o coração do homem” (Sl 104:15). O vinho é uma alegre recompensa para os obedientes a Deus (Dt 14:26). O vinho, que na vida do bêbado é um “brigão”, é na poesia de Deus um emblema da bênção messiânica (cf. Amós 9:13-15). Provérbios 20:1 não pode e não deve contradizer essas passagens positivas em outros lugares.
Provérbios 21:17
O que ama os prazeres padecerá necessidade;
o que ama o vinho e o azeite nunca enriquecerá.
Os proibicionistas empregam amplamente esta declaração para alertar contra os resultados finais do consumo de vinho. Frequentemente, os oponentes de bebidas alcoólicas apontam para estudos sociológicos e estatísticas culturais sobre alcoolismo, observando que Provérbios 21:17 nos alerta sobre tal resultado. Alcohol: The Beloved Enemy, de Van Impe, e Sipping Saints, de Wilkerson, ambos pesam fortemente com evidências anedóticas e sociológicas nessa direção. E tais violações éticas e problemas sociais também são uma preocupação para os moderacionistas.
Porém, mais uma vez, aplicamos erroneamente esse versículo ao promover a abstinência ou proibição total. O versículo se refere a uma sede constante e desordenada por vinho, negligenciando o trabalho e outras virtudes divinas. Observe que o autor não menciona apenas o amor ao vinho. Ele também adverte sobre o amor ao azeite, que é usado com perfumes para refrescar-se do sol quente e seco do Oriente Médio. O óleo é, então, um elemento que os justos devem evitar? Obviamente que não, pois Deus dá óleo ao homem (Sl 104:15). De fato, Provérbios também menciona o óleo em um bom contexto:
O óleo e o perfume alegram o coração;
assim o faz a doçura do amigo pelo conselho cordial. (Pv. 27:9)
Em vez disso, Provérbios 21:17 alerta os homens a manterem as coisas em perspectiva. Se o amor ao dinheiro é a raiz do mal (1 Timóteo 6:10), então devemos nos abster de todo dinheiro? Ou é o amor ao dinheiro que é o problema aí?
Na verdade, em seu contexto poético, o aviso aqui em Provérbios 21:17 é direcionado contra a mentalidade de vida de festa:
Observe o paralelismo: aquele que “ama o vinho e o azeite” é aquele que “ama o prazer”. Ou seja, ele é aquele que vive uma vida unicamente pela busca do prazer, até o ponto do abandono desenfreado. Em outro lugar, Provérbios descreve esse tipo de pessoa de forma semelhante:
Porque o beberrão e o comilão acabarão na pobreza;
e a sonolência os faz vestir-se de trapos. (Pv. 23:21)
O estilo de vida dessa pessoa levará à pobreza. Isaías se refere a esses festeiros em Isaías 5:11:
Ai dos que se levantam cedo para buscar bebida forte;
Que ficam acordados até tarde da noite para que o vinho os inflame!
Tradução: Michael Ferreira