
Por James B Jordan
A quarta perspectiva sobre a cerimônia é a do ato da Ceia do Senhor. Como observamos anteriormente, a inauguração da Ceia do Senhor precedeu sua interpretação. Jesus não deu uma explicação sobre ela naquele momento. Ele apenas disse para fazê-la. Uma filosofia verdadeiramente cristã deve levar isso em conta. Saber e fazer são igualmente importantes. Cada um é o contexto do outro, e cada um está sujeito à Palavra.
Um compromisso de fé com a Palavra precede tanto o entendimento quanto a obediência. Às vezes, ingenuamente, pensa-se que a Palavra se dirige, antes de tudo, ao entendimento, mas uma breve reflexão mostrará que não é assim. Frequentemente, nas Escrituras, Deus ordena que as pessoas façam algo sem explicar em contexto o que isso significa. Por exemplo, em Levítico 12, há uma série de regras para a separação das mulheres após o parto. No contexto, porém, nenhuma explicação é dada para essas regras. Os exemplos poderiam ser multiplicados e, claro, bem diante de nós está o exemplo da Ceia do Senhor.
Sem fé, a obediência nada mais é do que “obras da Lei” e permanece condenada. Sem fé, o conhecimento nada mais é do que imaginações vãs. Precisamos ter obras fiéis e entendimentos fiéis. Cada um leva e reforça o outro. A obediência produz entendimento, e vice-versa. Saber e fazer formam os focos da elipse da adoração. A forma mais concentrada do lado do “saber” é a leitura propriamente dita das Escrituras, feita por um oficiante cuja voz representa a de Cristo. A forma mais concentrada do lado do “fazer” é o ato da eucaristia, realizada pelas mãos e pela voz do oficiante como representante de Cristo.
A etapa secundária dessas coisas é realizada pela igreja, que foi chamada e privilegiada para auxiliar Cristo. O pregador toma a Palavra de Cristo e, no sermão, faz aplicações dela, “distribuindo-a” à situação atual. Os servos da igreja tomam o pão e o vinho das mãos de Cristo e os distribuem ao povo.
Quando a Igreja cai no fazer sem dizer, como na Idade Média, tanto no Oriente quanto no Ocidente, surgem falsos ensinamentos e falsas interpretações da parte do “fazer”. Há, então, uma retroalimentação do erro no próprio “fazer”. Como sabemos, o “fazer” passou a ser visto como mágico, e então as pessoas passaram a ter medo de realizar o sacramento, rejeitando o cálice e proibindo seus filhos de virem. ((Uma das melhores discussões sobre esse processo de corrupção pode ser encontrada em Alexander Schmemann, Introduction to Liturgical Theology, trans. by Asheleigh E. Moorhouse (New York: St. Vladimir’s Seminary Press, 1966.))
Da mesma forma, quando a igreja cai no ensino sem fazer, como no protestantismo, surgem atividades falsas, com reflexos no próprio ensino. Algumas das atividades falsas que surgiram devido à falha dos protestantes em praticar a comunhão semanal são:
- Sabatismo extremamente negativo, que não consegue ver o Dia do Senhor como uma celebração na casa e na mesa de Deus;
- O ritual do chamado ao altar, no qual santos famintos e não alimentados buscam alívio em outras ações;
- Pentecostalismo, porque o milagre semanal da presença especial de Cristo não é mantido;
- Visões extremamente negativas da adoração que rejeitam todos os tipos de ações de adoração ordenadas na Bíblia (como ajoelhar-se, dançar, procissões, etc.).
Mas então surge a retroalimentação na área da doutrina, e no protestantismo, a falha em manter o sacramento em pé de igualdade com a leitura da Palavra no culto levou à doutrina de que fé e obras são separadas e opostas. A falha em “fazer” levou diretamente ao antinominianismo.
Bem, então, o que é essa ação? É o que Jesus fez e nos ordena a fazer. Originalmente, era uma ação de nove partes.
Jesus –
- pegou o pão
- tendo dado graças
- o partiu
- o entregou
- eles comeram
- pegou o vinho
- tendo dado graças
- o entregou
- eles beberam
Isso se reduz a uma ação quíntupla: tomar, abençoar, quebrar e reestruturar, compartilhar e consumir. ((Veja Dix, op. cit., capítulo 4. Dix é conhecido por sua discussão da ação “quádrupla”. Ele não vê quebrar como um ato separado, mas simplesmente como necessário para o ato de compartilhar.)) Observe que não há nisso “separação dos elementos do uso comum”, como se o homem tivesse tal poder. Nem (surpreendentemente) há qualquer invocação do Espírito Santo. Essas coisas não são necessariamente erradas, mas não são a essência do rito.
Uma comparação das etapas deste rito com Gênesis, capítulo 1, é bastante reveladora. Ao lermos esse capítulo, vemos Deus repetidamente tomar posse de Sua criação, decompô-la e reestruturá-la, e então distribuí-la entre vários reinos de criaturas. Também vemos Deus avaliar Sua obra (“E Deus viu que era boa”) e desfrutá-la (descansando no sétimo dia). Há cinco etapas aqui, às quais o homem, como criatura, acrescentaria uma sexta: a ação de graças a Deus.
Nessa ação, há uma visão de mundo. O homem, o sacerdote, é chamado a tomar posse da criação. Ele não deve, contudo, agir como Adão e tomá-la autonomamente; ele deve agradecer. Feito isso, ele deve trabalhar com a criação, fragmentando-a, reestruturando-a e, então, compartilhando-a com outros por meio de doação ou troca. Em vários estágios, ele avaliará o que ele e os outros fizeram. Finalmente, ele deve consumir ou desfrutar.
Esta é a cosmovisão cristã, e também proclama a morte de Cristo. Por causa do pecado humano, foi necessário que Deus se apoderasse do homem, o quebrantasse, o reestruturasse e o enviasse de volta ao mundo. Somente assim Deus poderia dar ao homem uma avaliação positiva e desfrutá-lo no descanso sabático comum. Cristo realizou isso por nós. Embora nenhum osso de Seu corpo tenha sido quebrado, Ele experimentou a maldição da aliança, que é ser rasgado ao meio e devorado pela criação inferior. Como em todos os sacrifícios do Antigo Testamento, Seu sangue foi separado de Sua carne. ((É por isso que o pão é comido e, em seguida, o vinho bebido, como duas ações distintas.)) Assim, o pão é partido. Da mesma forma, antes de Jesus nos dar o cálice, Ele mesmo o bebeu, e isso é explicado como Sua morte: “Pai, se é possível, afasta de Mim este cálice.” Assim, embora a eucaristia não recrucifique Cristo, nem prolongue a ação de Sua morte, ela “anuncia a morte do Senhor até que Ele venha” (1 Cor. 11:26).
Esta proclamação não é apenas para os homens, mas também para Deus. Os memoriais da aliança foram dados por Deus para que o homem os usasse para lembrá-Lo de cumprir a aliança. Não é como se Deus se esquecesse e precisasse ser lembrado, mas sim que, para o próprio bem do homem, Deus exige que O lembremos. A proclamação é feita aos homens, mas a menos que os homens adicionem seu “amém”, retornando assim a proclamação a Deus, a proclamação não é salvífica. Esta proclamação-amém a Deus é quase certamente o que está em vista em 1 Coríntios. 11:26.((Leon Morris afirma que katangello em 1 Coríntios 11:26 só pode se referir à proclamação do evangelho aos homens. Veja The First Epistle of Paul to the Corinthians. Tyndale New Testament Commentaries (Grand Rapids: Eerdmans, 1958), p. 162. Embora eu relute em discordar de um estudioso tão eminente, as afirmações de Morris neste ponto revelam a fraqueza de se apoiar demais em estudos de palavras para fazer teologia. Por si só, katangello significa “mostrar, proclamar”. Temos que olhar para o contexto ou a teologia para determinar a quem a proclamação está sendo feita. À luz da teologia bíblica da aliança e dos memoriais da aliança, certamente é lógico que a proclamação é tanto para Deus quanto para os homens, mas principalmente para Deus. Como o mundo não está presente no santuário quando a Ceia é realizada, é difícil ver como uma proclamação evangelística pode estar em vista em qualquer evento.)) Assim, o arco-íris foi estabelecido não em primeiro lugar, para nos lembrar da aliança, mas para lembrar a Deus (Gn 9:12-16). Da mesma forma, quando Deus deu Seu Nome da aliança a Israel, era um Nome memorial, e vemos Moisés citando o Nome de Deus a Ele ao argumentar que Deus deveria manter a aliança e não destruir o povo (cp. Êx 32:9-14; Nm 14:11-19; Êx 34:5-7; e Êx 3:13-15). O incenso oferecido sob a Antiga Aliança é chamado de memorial, para lembrar a Deus (Lv 2:1-3; 24:5-9; Gn 8:21). Os nomes das tribos de Israel foram gravados nas vestes de Arão, para que, ao entrar no santuário, Deus se lembrasse da aliança (Êx 28:29). Compare também Atos 10:4-5, 31-32. Portanto, oramos “em nome de Jesus”, lembrando a Deus da morte do nosso Salvador e pedindo que Ele cumpra Suas promessas porque Cristo morreu em nosso lugar. Da mesma forma, o memorial eucarístico é feito diante do trono e dos olhos de Deus, para que Ele veja, para lembrá-Lo da morte de Cristo e para obter as bênçãos Dele. ((Esta era a posição dos reformadores franceses e da igreja primitiva. Max Thurian resumiu bem ao escrever que “a Eucaristia é a apresentação litúrgica da Igreja do sacrifício ao Pai. Esta apresentação litúrgica é a ação que lembra a Deus Pai o sacrifício único de Seu Filho, que é eternamente atual, e implora a Ele por este sacrifício que conceda misericórdias e bênçãos ao Seu povo.” Veja Thurian, The Mystery of the Eucharist: An Ecumenical Approach, trans. by Emily Chisholm (Grand Rapids: Eerdmans, 1983), p. 23. Veja também Louis Douyer, Eucharist (Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1968),que, em sua totalidade, é uma discussão sobre este tema. Douyer mostra que a estrutura da oração judaica era sempre lembrar a Deus o que Ele já havia feito na criação e na redenção, e então pedir-Lhe que completasse Sua obra reconstruindo Jerusalém. Esta também se tornou a estrutura da oração eucarística na igreja primitiva. Está implícito em 1 Coríntios 11:26, no sentido de que proclamamos a morte do Senhor até que Ele venha; Isto é, lembramos a Deus da obra consumada de Cristo e Lhe pedimos que complete Sua obra, levando a criação à consumação. Veja também Joachim Jeremias, The Eucharistic Words of Jesus (Filadélfia: Fortress Press, 1966), pp. 237ss. Meu uso da obra de Thurian, Douyer e Jeremias não deve ser interpretado como um endosso de todos os aspectos de suas posições teológicas gerais. Deus estabeleceu o memorial eucarístico como o meio preeminente de argumentar sobre as bênçãos da aliança vindas dEle. A importância da comunhão semanal deve ser óbvia a partir disso.
A adoração é uma resposta à verdade, não uma técnica para manipular Deus. Assim, Deus nos dá a verdade na proclamação verbal, e nós respondemos com o amém verbal da oração. O mesmo acontece na eucaristia. Como observamos acima, citando Schmemann, Deus dá ao homem determinado alimento para comer, negando-lhe outros alimentos. Colocar esse alimento especial diante de nós é a proclamação que Deus nos faz da aliança. Comer o alimento dado por Deus é nossa re-proclamação a Ele, nossa memorialização da aliança. É importante entender isso. Lembramos a Deus da aliança não no ato de erguer os “elementos consagrados”, ou mesmo na oração de agradecimento. Embora essas coisas não sejam erradas em si mesmas, é a realização do rito em si, culminando no ato de comer, que é o lembrete a Deus. Quando Deus nos ouve tomar Sua palavra e o amém de volta a Ele em oração, Ele é lembrado de cumprir a aliança. Quando Deus nos vê tomar o corpo e o sangue de Seu Filho e o amém comendo-os, Ele é lembrado de cumprir a aliança. O cerne da ação eucarística, portanto, não é algum ato de “consagrar os elementos”, mas o ato de comer em si.
A ação eucarística não é um ritual silencioso. Jesus falava enquanto a realizava. Há uma oração de ação de graças a ser oferecida. De fato, o próprio ato “proclama” algo. A ação, no entanto, precede a compreensão. Assim como Adão precisava comer da Árvore da Vida antes de comer da Árvore do Conhecimento, o cristão precisa vir humildemente diante de Cristo, fazer o que Ele diz e comer de Sua dádiva antes de começar a tentar compreender este grande mistério. O fracasso das igrejas ocidentais é visto precisamente neste ponto. Ao exigir conhecimento antes da comunhão, a igreja excluiu seus filhos da Mesa e também iniciou uma série de cismas sobre a doutrina eucarística. Se quisermos ter reforma, devemos rejeitar esse resíduo de gnosticismo e retornar à compreensão de que o ato da eucaristia precede sua interpretação. Uma compreensão da “prevenção eucarística” resultará não apenas na restauração da pedocomunhão na igreja, mas também pode formar a base para uma verdadeira catolicidade de prática e o fim da “comunhão fechada”.