
Nota de Joffre Swait: Hoje se comemora o milésimo septingentésimo (1700!) aniversário do Concílio de Niceia em 325, e portanto, hoje comemoramos o Credo Niceno. Conheça mais da história da formulação e evolução deste maravilhoso símbolo ecumênico através do texto abaixo, daquele grande historiador eclesiástico, o Protestante Philip Schaff.
Texto: Credo Niceno, por Philip Schaff, disponível em inglês aqui. Tradução de Gabriel Amaral.
O Credo Niceno, ou Symbolum Nicæno-Constantinopolitanum, é a forma oriental do Credo primitivo, mas com a impressão distinta da era de Nicéia, e mais definido e explícito do que o Credo dos Apóstolos na declaração da divindade de Cristo e do Espírito Santo. Os termos ‘coessencial’ ou ‘coigual’ (ὁμοούσιος τῷ πατρί), ‘gerado antes de todos os séculos’ (πρὸ πάντων τῶν αἰώνων), ‘Deus verdadeiro de Deus verdadeiro’ (θεὸς ἀληθινὸς ἐκ θεοῦ ἀληθινοῦ), ‘gerado, não feito’ (γεννηθείς, οὐ ποιηθείς), são importantes troféus da ortodoxia em sua acirrada luta contra a heresia ariana, que agitou a Igreja por mais de meio século. O Credo Niceno é o primeiro que obteve autoridade universal. Ele está assentado em formas mais antigas usadas em diferentes igrejas do Oriente, e passou por alterações posteriores.
Os credos orientais surgiram, semelhantemente, a partir da fórmula batismal e destinavam-se ao serviço batismal como uma confissão da fé do catecúmeno no Deus Triúno.
Devemos distinguir duas formações de credo que ocorreram de modo independente e paralela: uma oriental e outra ocidental; uma resultou no Credo Niceno como completado pelo Sínodo de Constantinopla, a outra no Credo dos Apóstolos na sua forma romana. Os credos orientais eram mais metafísicos, polémicos, flexíveis e moldados às exigências da Igreja na manutenção da sua fé e no conflito com os hereges; os ocidentais eram mais simples, práticos e estacionários. Os primeiros eram controlados por sínodos e receberam a sua forma final e sanção de dois Concílios Ecumênicos; os últimos foram deixados à guarda das várias igrejas, sentindo-se cada uma delas livre para fazer adições ou alterações dentro de certos limites, até que a forma romana suplantou todas as outras e foi silenciosamente, e sem ação sinodal formal, adotada pela Cristandade Ocidental.
No Credo Niceno devemos distinguir três formas – a Nicena original, a Constantinopolitana alargada, e a latina ainda mais recente.
1. O Credo Niceno original data do primeiro Concílio Ecumênico, realizado em Nicéia, em 325 d.C., para a resolução da controvérsia ariana, e foi composto por 318 bispos, todos do Oriente (exceto Hosius de Espanha). Este Credo se encerra abruptamente com as palavras ‘e no Espírito Santo’, mas acrescenta um anátema contra os arianos. Esta foi a forma autorizada até o Concílio de Calcedónia.
2. O Credo Niceno-Constantinopolitano, além de algumas pequenas mudanças nos dois primeiros artigos, acrescenta todas as cláusulas depois de ‘Espírito Santo’, mas omite o anátema. Ele dá o texto como agora recebido na Igreja Oriental. É geralmente atribuído ao segundo Concílio Ecumênico, que foi convocado por Teodósio em Constantinopla, 381 d.C., contra os Macedônios ou Pneumatomaquianos (assim chamados por negarem a divindade do Espírito Santo), e foi composto por 150 bispos, todos do Oriente. Não há evidência autêntica de um reconhecimento ecuménico deste Credo alargado até ao Concílio de Calcedônia, 451, onde foi lido por Aécio (um diácono de Constantinopla) como o ‘Credo dos 150 pais’, e aceito como ortodoxo, juntamente com o velho Credo Niceno, ou o ‘Credo dos 318 pais’. Mas as cláusulas adicionais existiam em 374, sete anos antes do Concílio Constantinopolitano, nos dois credos de Epifânio, um nativo da Palestina, e a maioria delas, já em 350, no credo de Cirilo de Jerusalém.
O Credo Niceno aproxima-se mais do de Eusébio de Cesareia, que também encerra abruptamente com πνεῦμα ἅγιον; o Credo Constantinopolitano assemelha-se aos credos de Cirilo e Epifânio, que encerram com ‘a ressurreição’ e ‘vida eterna’. Nós podemos, portanto, traçar ambas as formas para a Palestina, exceto a homoousion de Nicéia.
3. A forma latina ou ocidental difere da grega pela pequena palavra Filioque, que, ao lado da autoridade do Papa, é a principal fonte do maior cisma da cristandade. A Igreja Grega, aderindo ao texto original, e enfatizando a monarchia do Pai como a única raiz e causa da Deidade, ensina a processão única (ἐκπόρευσις) do Espírito somente do Pai, que se supõe ser um processo eterno e essencial-trinitário (como a geração eterna do Filho), e não deve ser confundido com o envio temporal (πέμψις) do Espírito Santo pelo Pai e pelo Filho. A Igreja Latina, no interesse da co-igualdade do Filho com o Pai, e tomando a processão (processio) num sentido mais amplo, ensinou desde Agostinho, a dupla processão do Espírito a partir do Pai e do Filho, e, sem consultar o Oriente, colocou-a no Credo.
O primeiro vestígio claro do Filioque no Credo Niceno está no terceiro Concílio de Toledo, na Espanha, em 589 d.C., para selar o triunfo da ortodoxia sobre o arianismo. Durante o século VIII, o Filioque ganhou força na Inglaterra e na França, mas não sem oposição. O Papa Leão III, quando solicitado por mensageiros de um concílio realizado durante o reinado de Carlos Magno em Aix la Chapelle, em 809 d.C., a sancionar o Filioque, decidiu a favor da dupla procissão, mas contra qualquer mudança no Credo. No entanto, a cláusula também foi vitoriosa na Itália a partir do tempo do Papa Nicolau I (858), e foi gradualmente adotada em toda a Igreja Latina. A partir daí, passou para as Igrejas Protestantes.
Outro acréscimo na forma latina, ‘Deus de Deo’, no artigo II, não criou nenhuma dificuldade, como estava no Credo Niceno original, mas é inútil por causa do seguinte ‘Deus verus de Deo vero’, e por isso foi omitido na edição Constantinopolitana.
O Credo Niceno (sem esses acréscimos ocidentais) é mais altamente honrado na Igreja Grega do que em qualquer outra, e ocupa a mesma posição que o Credo dos Apóstolos nas Igrejas Latina e Protestante. Ele é incorporado e exposto em todos os Catecismos ortodoxos gregos e russos. É também (com o Filioque) de uso litúrgico na Igreja Romana (desde cerca do século VI), e nas Igrejas Anglicana e Luterana. Foi adotado pelo Concílio de Trento como Símbolo fundamental, e incorporado na Profissão de Fé Tridentina por Pio IV. É, portanto, um Credo mais estritamente ecumênico do que o dos Apóstolos e o de Atanásio, que nunca foram totalmente naturalizados nas Igrejas Orientais.
“Descansa a fé da Trindade, Alçada para sempre em sábias palavras da antiguidade; Uma joia em belo cenário; do silêncio à convocação; Faz, a Santa Comunhão, ressoar a antiga confissão; De catedrais as mais altas, aos pequenos povoados Seus, Clamam, da sua miséria ao Homem que é Deus, Entoado por mil vozes em coro, ou por língua humilde e estreita, Deles se ouve o Credo Niceno, em memória perfeita; Da canção do anjos, diante do trono, em tom comum Com seu “Santo! Santo! Santo!” ao grande Três em Um”.1
Credo dos Apóstolos (cláusulas entre parênteses correspondem a adições posteriores) | Credo Niceno Ampliado, 381 d.C. (cláusulas entre parênteses correspondem às mudanças ocidentais) |
Creio em Deus Pai, Todo-poderoso (Criador do Céu e da terra). | Cremos (Creio) em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. |
E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor; | Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos. (Deus de Deus), Luz da luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não feito, da mesma substância do Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas. |
o qual foi (concebido) por obra do Espírito Santo, nascido da virgem Maria | E, por nós, homens, e para a nossa salvação, desceu dos céus: Se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem. |
(padeceu) sob o poder de Pôncio Pilatos, foi crucificado, (morto) e sepultado; (desceu ao Hades); | Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. |
ressurgiu dos mortos ao terceiro dia; | Ressuscitou dos mortos ao terceiro dia, conforme as Escrituras; |
subiu ao Céu; está sentado à direita de (Deus) Pai (Todo-poderoso) | E subiu aos céus, onde está assentado à direita de Deus Pai. |
donde há de vir para julgar os vivos e os mortos. | Donde há de vir, em glória, para julgar os vivos e os mortos; e o Seu reino não terá fim. |
(Creio) no Espírito Santo | (Creio) no Espírito Santo, Senhor e fonte de vida, que procede do Pai (e do Filho); e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele falou pelos profetas. |
na Santa Igreja (Universal) (na comunhão dos santos); | (Creio) na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica. |
na remissão dos pecados; | Confesso um só batismo para remissão dos pecados. |
na ressurreição da carne (corpo); | Espero a ressurreição dos mortos; |
(na vida eterna). | E a vida do mundo vindouro. |
Damos, também, em colunas paralelas, as fórmulas originais e as ampliadas do Credo Niceno, colocando em itálico as adições posteriores e incluindo entre parênteses as passagens que são omitidas no texto recebido:
Credo Niceno de 325 | Credo Constantinopolitano de 381 d.C. |
Cremos em um Deus, Pai Todo-poderoso, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis; | Cremos em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. |
e em um Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, gerado pelo Pai (o unigênito; isto é, da essência do Pai, Deus de Deus), Luz da Luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado não feito, de uma só substância (ὁμοούσιον) com o Pai; pelo qual todas as coisas foram feitas (nos céus e na terra); o qual por nós homens e por nossa salvação, desceu dos céus, foi feito carne, e foi feito homem; padeceu e no terceiro dia ressuscitou; e subiu ao céu; e de novo há de vir para julgar os vivos e os mortos | Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, gerado do Pai antes de todos os séculos (æons), Luz da luz, verdadeiro Deus de verdadeiro Deus, gerado, não feito, da mesma substância do Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas. E, por nós, homens, e para a nossa salvação, desceu dos céus, Se encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou dos mortos ao terceiro dia, conforme as Escrituras; E subiu aos céus, onde está assentado à direita do Pai. Donde há de vir, em glória, para julgar os vivos e os mortos; e o Seu reino não terá fim. |
E no Espírito Santo. | E no Espírito Santo, Senhor e fonte de vida, que procede do Pai (e do Filho); e com o Pai e o Filho é adorado e glorificado: Ele falou pelos profetas. Na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica. Confessamos um só batismo para remissão dos pecados. Esperamos a ressurreição dos mortos; E a vida do mundo vindouro. Amém. |
(Mas aqueles que dizem: ‘Houve um tempo em que ele não era’; e ‘Ele não era antes de ser feito’; e ‘Ele foi feito a partir do nada’, ou ‘Ele é de outra substância’ ou ‘essência’, ou ‘O Filho de Deus é criado’, ou ‘mutável’ ou ‘alterável’ – eles são condenados pela santa Igreja católica e apostólica.) |
- Tradução de A Legend of the Council of Nice,’ por Cecil Frances Alexander, no ‘The Contemporary Review’ de fevereiro, 1867, pp. 176–179. ↩︎