A Glória Imprevisível e Poética da Reforma
Uma palestra para os santos em Moscow, Idaho, EUA, durante a conferência de missões da Christ Church.
por Joffre Swait

(O texto da palestra é bem conversacional, uma refleção do inglês que utilizei. Em breve teremos também os vídeos de todas as palestras, com legendas.)
Bom dia!
Gostaria de começar com uma palavra de oração, e para isso ecoarei as palavras de um jovem ligado ao ministério de nossa igreja para o Brasil. Seu nome é Gabriel Lisboa (um nome mais português que “Gabriel Lisboa” não poderia haver!), ele é estudante em Goiânia, uma cidade de cerca de 1,5 milhão de habitantes a aproximadamente 3 horas de carro da capital, Brasília, e no último dia 9 de março foi convidado a discursar para a congregação da qual faz parte. Naquele domingo, celebravam o aniversário do primeiro culto protestante realizado no Brasil, lá em 1557.
Para essa ocasião, Gabriel compôs este breve discurso e oração, com os quais gostaria de abrir nosso tempo juntos hoje.
No dia 10 de março de 1557, um grupo de missionários franceses, enviados por João Calvino, já se encontrava na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Homens de fé, dispostos a abandonar tudo pela expansão do Reino de Jesus. Aquele dia marcou o início de uma nova era: céu e terra se uniram em um domingo, quando a Trindade convocou Seu povo para se reunir à mesa do Deus-Filho. O primeiro Culto protestante no Brasil!
O cenário era caótico; nossos irmãos sofreram mortes injustas. No entanto, não há motivo para pranto, pois, como disse um dia Tertuliano:
“O sangue dos mártires é semente de Igreja”.
Se Roma não conseguiu deter a Noiva do Cordeiro no primeiro século, seriam os jesuítas capazes de fazê-lo no século 16? Obviamente, não.
O martírio floresceu! Hoje temos a Confissão de Guanabara, que gravou a sã Doutrina em solo fluminense.
Olhamos para o passado e vemos como o Reino de Deus avançou em nossa nação, mesmo diante das dificuldades que marcaram nossa história. É como disse Calvino certa vez:
“Deus não somente defende e protege o Reino de Cristo, mas também estende seu limite em todas as direções, e então preserva-o e transmite-o em processo ininterrupto até a eternidade. Não devemos julgar sua estabilidade a partir da presente aparência das coisas, mas a partir da promessa, que nos assegura de sua continuidade e de seu crescimento constante.”
O Brasil é de Jesus por herança, e Ele zombará daqueles que se julgam poderosos, acreditando ser capazes de deter o avanço de Sua Igreja.
Que o Senhor nos conceda a mesma coragem que Pierre Richier e Guillaume Chartier demonstraram, para que possamos declarar sem vergonha e sem medo aos poderosos: Jesus é o Rei. Que possamos ter o mesmo amor pelo Brasil que aqueles missionários franceses tiveram, orando para que a doce graça do Redentor alcance nossos conterrâneos.
Deus salve Sua Palavra, nossa lâmpada;
Deus salve a Igreja, nossa primeira e eterna nação;
Deus salve a reforma, nossa base;
Deus salve a baía de Guanabara, nossa história;
Deus salve o Brasil, nossa terra!
Amém.
Amém, e AMÉM!
A oração do Gabriel celebra a colônia huguenote na Baía de Guanabara. Eu dirijo o ministério de mídia da nossa igreja para o Brasil, Missão Guanabara. A inspiração do nome do ministério torna-se evidente. Isso também ajuda a explicar nossa afinidade por outro dos ministérios de mídia da nossa igreja, um muito mais antigo, nosso irmão mais velho, Heritage Huguenot. Não há como contar a história da igreja no Brasil sem falar do martírio daqueles huguenotes da França Antártica. Somos irmãos, e o tema de irmandade, de uma irmandade até inesperada ou surpreendente, será presente e persistente nesta palestra.
Nosso título hoje é A Glória Imprevisível (e Poética) da Reforma.
“O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.” (João 3:8, ARA)
“Quem é este, que até os ventos e o mar lhe obedecem?” (Lucas 8:25, ARA)
“Então verão o Filho do Homem vindo nas nuvens, com grande poder e glória. E ele enviará os seus anjos e reunirá os seus eleitos desde os quatro ventos, desde a extremidade da terra até a extremidade do céu.” (Marcos 13:26-27, ARA)
“Cumprindo-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar; de repente, veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados. E apareceram, distribuídos entre eles, línguas, como de fogo, e pousou uma sobre cada um deles.” (Atos 2:1-3, ARA)
O vento sopra onde quer.
A Glória Imprevisível da Reforma. Ao falar sobre isso, vou me concentrar em um tipo particular de imprevisibilidade. Quando ouvimos essa palavra, creio que a primeira coisa que nos vem à mente é uma aparente aleatoriedade, que alguém ou algo é imprevisível porque é impossível, mesmo com observação cuidadosa, prever o que o agente fará, para onde irá. O vento sopra onde lhe apraz.
Quero focar menos nesse “tender a se comportar de maneiras que não podem ser previstas” e mais em “não poder ser conhecido ou declarado antecipadamente”, no sentido de surpresa, no deleite da descoberta, da ajuda inesperada, de redenção e resgate de uma esperança perdida. Assim, a glória de que falamos é inesperada, é uma glória imprevista. Mas o que é essa reforma da qual estou falando?
É a reforma reformada e sempre se reformando, a reforma que se apoia em seu passado para se lançar ao futuro, a reforma que vai de força em força, simplesmente cristã e bíblica. É a Igreja, confiante em sua agência e autoridade no Espírito Santo, em seu chamado como Noiva de seu Senhor e Esposo, o Rei Jesus. É uma Reforma que molda, que forma, que faz e refaz, porque o espírito de reforma brota do amor por um Deus feito carne, que afirmou repetidamente a bondade da criação e o valor da terra, que ama os homens e a humanidade e suas vidas sobre esta terra. É, portanto, uma reforma que, ao proclamar o Reinado de Cristo, deve moldar o mundo. Nem um centímetro quadrado! da empreitada humana está fora de sua autoridade, de modo que um espírito de reforma se esforça alegremente para agradá-lo conforme o que Ele instituiu, trabalhando isso em cada canto, em tudo de Cristo para toda a vida! Cultura, cultura, cultura; construção, construção, construção.
A glória imprevisível da reforma é a majestade inesperada do que Deus faz, e do que Ele fez, do que Ele tem feito. Há glória real nisso. Há glória, glória real, em tornar-se uma vela viva ou uma presa de leão por amor a Jesus; há glória, glória real, em ser afogado e estrangulado por amor a Cristo, como aqueles huguenotes de Guanabara foram; e há glória real em contar essas histórias. É uma glória que devemos desejar, como parte de nossa história, e como a história de nosso futuro. AQUI FORAM OS GRANDES FEITOS DOS APÓSTOLOS, ACOLÁ NO FUTURO OS GRANDES FEITOS DOS HOMENS DO ESPAÇO E DOS HOMENS DE MARTE. Esses homens, como servos bons e fiéis, fizeram algo. Construíram um edifício, cantaram uma canção. “Aos que, mediante a perseverança em fazer o bem, procuram glória, honra e incorruptibilidade, a vida eterna.” (Romanos 2:7, ARA)
Quando eu era jovem, nada amava mais que a fraternidade e irmandade guerreira, em particular as histórias de ajuda inesperada, de um irmão para outro.
João Pequeno resgatando Robin Hood das garras do Xerife de Nottingham.
Porthos, Athos e Aramis lutando ao lado de D’Artagnan, em vez de duelarem com ele, contra os guardas do Cardeal.
A chegada de Aslam aos Vaus de Beruna, bem quando os narnianos começam a ceder diante das forças malignas da Bruxa Branca, seu rugido ecoando pela planície.
A cavalgada dos Rohirrim, tardia e desesperada, uma tentativa de manter os amores e juramentos de uma antiga fraternidade deixada a definhar. Sua carga pelos campos de Pelennor. O aperto de mãos de Éomer e Aragorn no campo de batalha.
As histórias reais, dos homens de Blücher em Waterloo, ou a chegada dos Hussardos Alados de Jan Sobieski na hora de maior necessidade de Viena.
Vamos trazer de volta a imagem daquele aperto de mãos nos Campos de Pelennor. Ou imagine aquele meme do Predador, a foto dos antebraços musculosos de Schwarzenegger e Carl Weathers, unidos num renovado e prometido laço de amizade.
Há muitas razões para ministrar aqui e ali, todas para a glória de Cristo. Defenderei que há uma razão especial para ministrarmos ao Brasil quando falamos de reforma.
Essa é a glória inesperada… temos um irmão, e falo em termos culturais, em termos civilizacionais. E tal é o grau dessa fraternidade entre cristãos no Brasil e cristãos aqui, que estamos falando sobre mais que fraternidade… estamos falando de confraternidade, sendo a reforma nossa unidade de propósito.
É importante que entendamos duas coisas neste momento, neste ponto. Primeiro, quando digo “reforma”, geralmente me refiro à ideia de reforma, de reconstrução, reformação, de refazer; é uma ideia que temos como herança de nossos pais da Reforma Protestante; quando me refiro especificamente à Reforma Protestante, direi isso. Segundo, ao falar do que deve ser reformado, falo de coisas altas e baixas, coisas eternas e coisas que passam.
O que quero dizer com isso?
Ao proclamar o Evangelho, os cristãos e a Igreja estão construindo o Reino de Deus, o Reino dos Céus na terra. Isso significa que os cristãos naturalmente começarão a fazer e construir coisas que contribuam, na terra, para o discipulado, para a cura das almas.
Algumas dessas coisas são eternas, e a bondade e soberania de Deus estão em jogo quando essas coisas estão em jogo; assim é com a Igreja, seus sacramentos como instituídos por seu Senhor, suas doutrinas centrais do ensino apostólico.
Algumas dessas coisas são sim verdadeiras, boas e belas, mas não são necessariamente eternas; uma certa pedagogia pode ser inquestionavelmente maravilhosa e funcionar eficazmente na criação e discipulado do povo de Deus, mas outra pedagogia poderia substituí-la dentro do bom plano de Deus; um certo poema pode ser escrito e glorificar belamente o nome de Cristo, fazendo que os santos se exultem, mas, se o poema desaparecesse, o Navio da Igreja seguiria de vento em popa. De fato, sabemos que isso tem acontecido. Inumeráveis são as obras perdidas da cristandade antiga e medieval.
Também podemos pensar nas coisas que nunca foram, mas poderiam ter sido, para reforçar essa ideia. O famoso poema Coisas Que Poderiam Ter Sido de Jorge Luis Borges menciona algumas… o tratado sobre mitos saxões que Bede nunca escreveu, a obra inconcebível que Dante talvez tenha vislumbrado assim que corrigiu o último verso da Comédia, a visão que John Donne tinha de Shakespeare.
Era difícil para os contemporâneos de Agostinho imaginar como o Evangelho do Reinado de Cristo poderia avançar após o saque de Roma. É difícil para nós vermos a soberania de Deus na presente e contínua queda do Ocidente. Independentemente de nossas preferências, porém, devemos estar dispostos a deixar atrás bens e parentes, esta vida mortal também. Afinal, a verdade de Deus permanece firme, seu Reino é para sempre! Pois “a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar” (Habacuque 2:14, ARA), e como nós escolheríamos fazer isso não é preocupação Dele.
Olhe pelo nosso mundo. Onde Jesus está trabalhando? Onde o vento está soprando? E, importante, de onde o vento está vindo?
Uma vez que confessemos que o Ocidente pertence a Deus, e que Deus pode dispor do Ocidente como quiser, podemos orar por misericórdia e arrependimento. Podemos trazer uma palavra profética ao Ocidente com todo o amor que um homem tem por seu lar. É bom que um homem ore para que Deus não destrua sua cidade, mesmo quando ela o merece. Vemos que nossas igrejas estão vazias, vemos que Deus está se movendo, mas o vento não sopra em nossa direção.
Ouvimos falar do Sul Global. É um termo jargão, claro, limitado em sua utilidade, mas descreve algo real. Deus está se movendo no Sul Global. Glória!
Mas e o Ocidente Global, onde nós vivemos?
O Ocidente é belo. Vale lutar pelo Ocidente, porque, ao se converterem a Cristo, nossos pais fizeram coisas belas: universidades, pinturas, tratados, catedrais, métodos de cultivo, navios, poemas. A glória já se foi… mas, no entanto, sabemos que glória pode ser restaurada por meio do arrependimento, e a submissão ao nosso bondoso Rei. Senhor, se quiseres, podes nos purificar.
Eu amo o Ocidente. Creio que a maioria nesta sala ama o Ocidente. Reconhecemos que Deus não precisa do Ocidente. Seria pura misericórdia, graça total, se Deus permitisse reforma, permitisse que seus santos preservassem e construíssem sobre o trabalho de seus pais enquanto a Igreja avança em glória.
É com essa humildade em mente que exorto dois irmãos de batalha a se olharem de um lado do campo ao outro, e perceberem que podem segurar a linha aqui. Talvez essa luta seja uma história contada apenas por homens de alguma outra casa (porém da mesma Igreja!), mas lutemos para que seja uma história contada pelas nossas próprias casas.
Defenderei a ideia de que o Brasil e os Estados Unidos são os dois últimos grandes redutos do Ocidente cristão, e que é não apenas belo, mas estratégico, concentrar nossos esforços em defender a linha da luz aqui.
Você provavelmente já percebeu que, na concepção desta palestra, os Estados Unidos e o Brasil são meu Aragorn e Éomer. Para ser claro, não estou pedindo que você cavalgue ao socorro do Brasil, nem que os brasileiros cavalguem ao seu socorro. Lembremos que tanto Éomer quanto Aragorn chegaram aos Campos de Pelennor como salvadores, resgatantes.
Então, de qual maneira são irmãos os americanos e brasileiros ? Repito, hoje falo em termos de cultura e civilização, lembrando que sim, existe cultura cristã.
Grande parte do meu trabalho foca na educação cristã clássica. Alguém me perguntou na semana passada como seria um currículo clássico e cristão brasileiro. Olhei pela fumaça de charuto que me unia ao meu irmão anglo-irlandês naquele momento e disse: “Basicamente, seria o mesmo. Isto é, até a chegada da Reforma, e de seu inimigo, a Modernidade.”
Atanásio, Clemente, Eusébio, Agostinho, Boécio, Bento, Anselmo, Tomás de Aquino, Dante. Shakespeare, claro, ele ocupa um lugar de preeminência em todo o Ocidente. Talvez deixamos Milton de lado, acrescentamos Cervantes como uma luz equivalente a Shakespeare, e Camões como o grande estabelecedor das letras portuguesas. Falo em traços largos aqui, então não se preocupe com Beowulf e demais afins; claro que haveriam variações. Não estou dizendo que somos todos iguais, todos o mesmo. Estou dizendo que somos todos ocidentais.
Tomemos Anselmo como exemplo. Ele nasceu na Alta Borgonha, nos Alpes. Dependendo de quem você pergunta, ele era Anselmo de Cantuária, Anselmo de Aosta, Anselmo de Bec. E por que todos esses lugares, no que hoje chamamos de Inglaterra, Itália e França? Porque ele era um homem ocidental, movendo-se por nações e lugares ocidentais, isto é, germânicos, todos sob a cristandade. Do Reino dos Vândalos no norte da África aos reis visigodos na Ibéria, os ostrogodos na Itália, os lombardos, borgonheses e francos ao norte deles, esses foram os reinos e povos que construíram, e através dos quais recebemos, o legado da cristandade. Essa adoção germânica de um manto romano é o que fez o Ocidente, como vemos com nosso próprio rei germânico, o saxão, Alfredo o Grande.
Agora, ao mencionar povos germânicos, quero enfatizar que nunca me refiro a raça darwiniana. Nada poderia ser mais entediante para mim. Tampouco estou minimizando, pelo menos em minha mente, as correntes latina e celta do Ocidente; mas estou convencido de que essas correntes desaguaram em nações germânicas, e que isso deu origem à cristandade ocidental. Também não esqueço as diferenças já existentes entre esses muitos povos, nem suas histórias subsequentes e emergentes diferenças locais.
O que estou enfatizando é a história, e a comunalidade. É dessas nações que emerge a ideia de cristandade.
E assim como o Ocidente parte para chegar além do Ocidente, para as Américas, a cristandade colapsa.
Irmãos e irmãs, vivemos no hoje. Nos parece natural que a Reforma Protestante tenha encontrado sucesso nos lugares onde vemos que teve sucesso, ou que encontrou fracasso onde históricamente falhou. Mas foi por pouco, de fato, na França. Os ventos da Reforma passaram pela Espanha, Portugal e a península italiana. De certa forma, pode-se dizer que ela começou na Itália.
Qual o contexto disso?
Em 1302, o papa Bonifácio VIII tomou as espadas temporal e espiritual; reis foram ordenados a se submeter ao papa para serem salvos. Isso era uma novidade que os príncipes da Europa não tolerariam, e assim muitos começaram a se sobreporem ao papa. Na época da Reforma, o estado moderno já havia emergido, e os reis mais poderosos tinham domínio sobre o papado. E suas católicas majestades não permitiriam que a Reforma tivesse sucesso, e assim enormes movimentos em Lisboa, Sevilha, Veneza e Nápoles foram suprimidos. A Holanda era posse da coroa espanhola, e o estabelecimento de uma igreja e um modo de vida reformado lá foi duramente disputado, e poderia ter falhado a qualquer momento.
A Inglaterra poderia ter sido católica romana. Isso, também, foi por um triz.
É neste ponto da história, claro, que o Ocidente se fratura e duas Europas emergem, com o sul da Europa caindo muito mais rápido nas armadilhas da modernidade do que as porções reformadas e luteranas. O Ocidente move-se para o oeste, para as Américas, enquanto na Europa o Iluminismo e a modernidade tomam raízes cada vez mais profundas. As igrejas da Europa esvaziam-se.
O Ocidente nas Américas constrói e desenvolve-se conforme a condição dos seus respectivos fundadores holandeses, ingleses, franceses, portugueses e espanhóis. A Reforma quase completamente passa ao largo das terras colonizadas por europeus do sul, e, apesar de muita religiosidade, superstição e sincretismo (ou talvez por causa disso), a modernidade e depois o Iluminismo tomam seu domínio. O melancólico rugido retirante impõe-se1. Essa sombra demônica continua a crescer e se expandir até que mesmo os redutos protestantes nas Américas racham.
Hoje, qualquer robustez cristã que reste ao Ocidente está nas Américas, e há dois titãs nas Américas. Os dois países mais populosos das Américas são o Brasil e os Estados Unidos. Ambos estão envolvidos numa luta por suas almas contra os avanços do humanismo secular, do estatismo, do individualismo e do teoclasmo. Ambos veem uma igreja protestante minoritária mas ressurgente, evangelizando, clamando por fidelidade e tentando construir os alicerces da cultura cristã: escolas e educação, artes, sistemas políticos justos. Os Estados Unidos e o Brasil têm as duas maiores populações evangélicas e protestantes das Américas; na verdade, os EUA e o Brasil têm as duas maiores populações desse tipo no mundo, com a Nigéria talvez se aproximando também.
Isto pode surpreendê-lo: o Brasil tem a mesma porcentagem populacional de evangélicos e protestantes conservadores que os Estados Unidos. A mesma!
Claro, ao olhar por este campo de batalha ocidental e perceber que aqui está outro combatente engajado na mesma luta, e que vocês podem se ajudar mutuamente, você vê que o equipamento dele não é nem de longe tão bom quanto o seu. Suas armas e armadura são muito mais precárias. Ele está ainda mais sobrecarregado que você pelo pensamento secular e pelas pressões comunistas. Ele tem teologia reformada, mas carece do contexto de 500 anos. Não tem hinos próprios, seus próprios salmos. Acaba de descobrir os catecismos. Só agora começou a perceber que deveria estar construindo escolas e afirmando o direito e dever das famílias, e não do Estado, de criar e educar seus filhos.
Mas, afinal, você pensa, quão diferente de você ele realmente é? Quando foi que você descobriu a prática de cantar os salmos? Ou redescobriu, devo dizer?
Os dois guerreiros chegaram a este ponto de maneiras muito diferentes. Um vem lutando uma longa retirada, seus amigos caindo ao seu lado. Está machucado e surrado, perdeu equipamento pelo caminho e está sempre marchando para trás; a lama pela qual se arrasta parece mais pesada a cada passo. Sua vontade de lutar está intacta, mas seu espírito está ferido; a tentação de desistir surge e ressurge implacávelmente; ele viveu a longa derrota2 que seus pais temiam. O outro acordou atrás das linhas inimigas. Mal se lembra de como perdeu a consciência, mas ao recobrar a percepção e perceber o perigo, alcançou quaisquer armas que estavam à mão e, com astúcia, coragem crescente e engenhosidade, lutou até uma posição defensável. Por acaso, aqui, ao seu lado.
Esses dois cavaleiros não só podem se ajudar em armas e feitos de combate, mas em espírito, em anima, em esprit. Um dos cavaleiros ainda é forte e carrega não apenas o peso, mas a sabedoria da longa derrota. O outro cavaleiro está crescendo em força e confiança, quase inconsciente de quão profundas são suas feridas, que asseguradamente precisam de cura. Ele tem a energia de um recém-chegado à luta, mas é intempestivo. Ele está percebendo que preparações devem ser feitas, trincheiras cavadas, e está disposto, mas não tem ideia de como evitar que as trincheiras desmoronem, muito menos como estabelecer campos de fogo sobrepostos. O outro cavaleiro sabe.
Gostaria de dizer algo sobre ser um Católico Reformado, e sobre a Catolicidade Reformada.
Um verdadeiro protestante é um católico, ou seja, entre outras coisas, um cristão ocidental. Ele é um católico, mas não um católico romano. Um verdadeiro protestante não é um revolucionário, mas um reformador; ele tem uma visão altomedieval. Ele não apenas acredita na unidade espiritual da Igreja em Cristo, mas acredita que isso se concretiza prática e amplamente, que as igrejas da Borgonha podem colaborar com as igrejas de Wessex ou Castela, e até com as estranhas, mas fiéis, igrejas do rito visigótico que cultuam na Espanha moura, ou aqueles escoceses, ou os irlandeses. Eu sou um Católico Reformado. Oro para que Deus não deixe apenas um remanescente, mas que faça os santos se levantarem em fiel reforma onde quer que estejam. Apesar de todos os ataques que a CREC e suas igrejas sofreram nas mãos de outros protestantes, acho que nossa denominação tem demonstrado um espírito maravilhoso de Catolicidade Reformada pelo mundo. Mostramos disposição para trabalhar com outros reformadores nos EUA e ao redor do mundo, e nos esforçamos, com sucesso, na minha opinião, para permitir que um espírito de caridade governe nossas interações e colaborações.
Quero encorajá-lo a adotar tal visão. A ver no Brasil não apenas uma oportunidade de ajudar, mas de ser ajudado. A dar auxílio e a tomar coragem. A enviar armas e, assim, tornar-se mais consciente e especialista em nosso próprio arsenal.
Então, do que os cristãos no Brasil precisam?
Tenho certeza de que toda igreja no mundo teria sua lista de feitos glorificadores a Cristo pelos quais trabalharia se tivesse recursos ilimitados. Claro, não é assim que nosso Senhor se agrada de trabalhar.
Isso dito, a Igreja no Brasil não precisa de evangelistas do exterior. Não precisa de plantadores de igrejas de cá, de lá ou de acolá. Especialmente, não precisa de dinheiro!
Apesar de muitas falhas e desafios únicos, a Igreja no Brasil está crescendo em maturidade, e os cristãos estão, cada vez mais, buscando fidelidade no Senhor. O vento está soprando. O Espírito Santo está lá. Os cristãos no Brasil precisam das próximas coisas boas, não de evangelistas ou dinheiro.
Evangélicos e protestantes conservadores estão em todos os níveis da sociedade no Brasil, em todas as esferas da vida, crescendo em posições de influência e poder.
O Brasil é um dos maiores países enviadores de missionários no mundo; agora envia mais missionários que a Coreia do Sul, tornando-se o segundo no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Tudo isso apesar da maior fraqueza de seu movimento missionário, que é econômica; o esforço que uma igreja brasileira faz para enviar um missionário à Alemanha, à Inglaterra, à África do Sul, ou à Índia ou China, faz o mesmo esforço de uma igreja nos Estados Unidos, Canadá ou Coreia do Sul parecer insignificante; toda vez que a moeda brasileira cai de valor, missionários voltam para casa en masse.
Muito desse esforço missionário é reformado. Missionários reformados brasileiros, nos anos 90 e 2000, salvaram as igrejas reformadas do Chile; foram uma enorme bênção para as igrejas reformadas na África do Sul no fim do apartheid; presbiterianos lideram o movimento de tradução bíblica brasileiro ao redor do mundo, capitaneados por homens como Ronaldo Lidório.
Essa preeminência reformada emerge no ensino e nas conversas sobre cultura, com vozes como as de homens como Wadislau Gomes e Augustus Nicodemus, e editoras como FIEL e Monergismo.
Presbiterianos serviram no gabinete e na equipe do presidente Bolsonaro (Bolsonaro foi chamado de “Trump dos Trópicos”, mas agora um socialista é presidente, e um Supremo Tribunal socialista governa por decreto, mas isso é à parte). Mas o único presbiteriano que foi feito ministro de gabinete é um bom exemplo para ilustrar as necessidades do Brasil. Sem comentar a qualidade de seu mandato, direi que Milton Ribeiro foi feito Ministro da Educação. Do ponto de vista de educadores cristãos fiéis, o Ministério da Educação é um monstro que impõe todo tipo de ódio a Deus, socialista, humanista e woke, às nossas crianças; escolas cristãs não são isentas dessa imposição. Então, lá no Brasil, como aqui nos Estados Unidos, há confusão evangélica sobre o estado, sobre a teologia das esferas e a autoridade ordenada por Deus: estamos numa guerra cultural? buscamos engajamento cultural? mudamos por dentro ou construímos algo nosso?
A questão prática que os cristãos brasileiros estão fazendo cada vez mais é a mesma que nós fazemos: como, então, devemos viver?
E enquanto eles, pela graça de Deus, começam a responder essa pergunta, muitos cristãos nos Estados Unidos, e especialmente na CREC, estão singularmente posicionados para fornecer o que os cristãos brasileiros precisam: conhecimento prático.
E não sejam tímidos. Podemos ser tentados a achar arrogante o mostrar ou o ensinar, mas, por algum motivo, nunca somos tentados a pensar isso sobre enviar dinheiro. Deus nos deu graciosamente a experiência, e nos concedeu conquistas ao longo dessas últimas gerações.
Há um movimento crescente de escolas cristãs clássicas no Brasil. Nós sabemos como administrar escolas.
O ensino doméstico cristão explodiu nos últimos dez anos, com um tipo de crescimento que faz que uma porcentagem quase não tenha sentido. De 10.000 homeschoolers em 2015, a estimativa hoje é de 100.000 homeschoolers pelo país, e esse número total parece aumentar em um terço a cada ano.
Bem… nós sabemos sobre o ensino doméstico. Sabemos sobre o planejamento de currículo. Temos a confiança de múltiplas gerações de homeschooling.
(Nico Abegg, um jovem da igreja Palouse Fellowship aqui em Moscow, visitou a igreja do pastor Thiago no Brasil comigo no último ano. Quando as mães descobriram que ali tinha um jovem que havia se formado como homeschooler, elas o cercaram e interrogaram avidamente sobre cada aspecto de sua experiência. Nico foi muito gentil, e infinitamente paciente, não apenas por causa dos encantos dessas maravilhosas senhoras cristãs, mas porque estávamos num churrasco, e ele estava sendo agraciado com carnes deliciosas.)
Sabemos de pedagogias. Sabemos de empreendedorismo. Sabemos cantar salmos. Sabemos da literatura. Sabemos fazer um bom banquete cristão, sabemos festejar.
Irmãos e irmãs, fomos tão abençoados. Há cada vez mais cristãos no Brasil percebendo que essas são as bênçãos que desejam para seus filhos, e para os filhos de seus filhos. Eles começaram a construir, e é nesses projetos que podemos ajudar. Essa é a visão da Missão Guanabara, equipar famílias cristãs brasileiras na construção do Reino. O chamado está sendo feito, e respondido. Já há pessoas perguntando sobre escolas secundárias e faculdades. Nós na CREC temos nos engajado conscientemente na construção de uma cultura cristã por trinta anos, e pela graça de Deus sabemos sobre esportes, artes, música, linguagem de uma maneira maravilhosamente reformada, alto-protestante. Não seria maravilhoso compartilhar isso? Ajudar nosso amigo a encontrar ou fazer o equipamento que ele precisa para lutar ao nosso lado, para a glória da causa de nosso Salvador. Sim! É bom ter amigos!
Finalmente, gostaria de encorajá-los, em todos os seus esforços pelo Reino, seja evangelização, discipulado, ensino ou qualquer outra coisa verdadeira, boa e bela, a ter uma atitude de generosidade e alegria.
Talvez meu ditado favorito de Chesterton inclua um trocadilho maravilhoso no final. Aqui está. “Seriedade não é uma virtude… É realmente uma tendência natural ou um deslize levar-se a sério, porque é a coisa mais fácil de fazer… Pois a solenidade flui dos homens naturalmente; mas o riso é um salto. É fácil ser pesado: difícil ser leve. Satanás caiu pela força da gravidade.” Uma das melhores coisas sobre o vento é que ele é leve como o ar. O Espírito, famosamente, MOVE-SE. E não é só que Ele se move, é que Ele nos move. Somos leves.
Uma das coisas mais difíceis do mundo, creio, é amar algo profundamente, preocupar-se apaixonadamente por algo, mas segurá-lo levemente. Confiá-lo a Deus. Não se importar se você terá sucesso da maneira que imagina, mas confiar em nosso Pai para garantir que esta leve e momentânea tribulação esteja nos preparando para um peso eterno de glória além de toda comparação, enquanto olhamos não para as coisas que se veem, mas para as que não se veem (2 Coríntios 4:17-18, ARA).
É difícil confiar que, de alguma forma, o bem será o fim final do mal3, ou viver como se tudo ficará bem, e todos ficarão bem, e todo tipo de coisa ficará bem4. Mas, no entanto, sabemos que é assim, e que somos chamados a viver como se fosse assim.
Devemos tratar esses assuntos de glória, de seriedade cósmica e mortal, com leveza, devemos ser leves em relação a eles, porque sabemos quem segura o futuro. Sabemos que Deus está no controle e que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que o amam.
E ISSO SIGNIFICA que, apesar de nossas hesitações, podemos nos permitir ter uma hermenêutica de generosidade, um hábito criativo e bem disposto de práxis, um desejo de encontrar maneiras de sermos co-laboradores para Cristo. Ou, para continuar com a imagem que trouxe antes, irmãos de batalha para Cristo. Embora um possa ser vencido por outro, dois podem resistir-lhe, e um cordão de três dobras não se quebra facilmente.
Não devemos temer os muitos milhões ao redor do mundo e no Brasil que estão correndo para o estandarte de Jesus Cristo e assumindo seu nome, sejam eles pentecostais ou evangélicos hipster. Nós, reformados, nós na CREC, devemos estar felizes, alegremente ansiosos pela oportunidade de servir as igrejas e os cristãos de uma cristandade em expansão. O conhecimento da glória do Senhor encherá a terra, ou não? Longe de nós temermos o que Deus fez e está fazendo. Vamos empregar e desferir essa nossa Catolicidade Reformada. Novamente, no que somos bons? Ensino. Construção. Somos bons, pela graça de Deus, em gerações, em futuro, em construção pelo Reino. Muitos cristãos nem conseguem conceber uma vitória em Jesus que pareça algo mais que uma retirada baixo fogo inimigo. O Brasil nos oferece uma chance de ensinar o uso e propósito tanto da espada quanto da pá do pedreiro, e queremos ser gratos por isso.
A ideia da espada e da pazinha de pedreiro vem de Neemias, claro.
(Neemias 4, ARA) E sucedeu que, ouvindo os nossos inimigos que já o sabíamos e que Deus tinha dissipado o conselho deles, todos nós voltamos para o muro, cada um para a sua obra. Desde aquele dia, metade dos meus moços trabalhava na obra, e a outra metade empunhava as lanças, os escudos, os arcos e as couraças; e os chefes estavam por detrás de toda a casa de Judá. Os que estavam edificando o muro e os que traziam as cargas, os que carregavam, cada um com uma das mãos fazia a obra e com a outra segurava a arma. Cada um dos edificadores trazia a sua espada cingida ao lado, enquanto edificava. E o que tocava a trombeta estava junto de mim.
Então, disse eu aos nobres, aos magistrados e ao resto do povo: A obra é grande e extensa, e nós estamos separados uns dos outros, distantes no muro. No lugar em que ouvirdes o som da trombeta, para ali acorrei a nós; o nosso Deus pelejará por nós. Assim trabalhávamos na obra, e metade deles empunhava as lanças desde o raiar da alva até ao sair das estrelas.
Essa parte de Neemias sempre me faz pensar em uma das minhas linhas favoritas de poesia, de um dos meus poemas favoritos, Coros de ‘A Rocha’ de T. S. Eliot. Aqui está:
Lembrando as palavras do profeta Neemias: “A colher de pedreiro na mão, e a arma um tanto solta no coldre.”
Como nós, cristãos americanos e igrejas americanas, seremos abençoados ao lutar conscientemente ao lado dos brasileiros? Continuo pensando no poema de Eliot. Não há obra literária melhor para ajudá-lo a entender a “ichabodice” da igreja ocidental, especialmente a igreja do mundo anglófono. Ao mesmo tempo, não há obra literária melhor para ajudá-lo a entender a soberania de Deus em relação aos seus planos para sua Igreja, ou para ver que a quantidade de trabalho a ser feito na construção dos muros da cidade, a enormidade desse projeto, é encorajadora. Que bênção! Os cristãos receberam algo para fazer, e isso tomará todas as nossas vidas; que propósito!
Lembrai-vos da fé que levou homens de suas casas
Pelo chamado de um pregador errante.
Nossa era é uma era de virtude moderada
E de vício moderado
Quando os homens não largarão a Cruz
Porque jamais a assumirão.
Contudo, nada é impossível, nada,
Para homens de fé e convicção.
Façamos, pois, perfeita a nossa vontade.
Ó Deus, ajuda-nos.
e
O que diremos do futuro?
É uma igreja só tudo o que conseguimos construir?
Ou a Igreja Visível seguirá para conquistar o mundo?
Irmãos e irmãs, a enormidade do projeto, em vez de intimidar, nos torna destemidos. Nós o seguramos levemente; percebemos que depende de Deus. Ao mesmo tempo, percebemos que essa construção, esse combate, é em mortal seriedade.
Que propósito! Que encorajamento! Que bênção abençoar e ser abençoado! Ter um irmão ao nosso lado nesta batalha pelo Ocidente! E se cairmos, que importa? A Santa Cidade ainda será construída. Se o Ocidente deve cair, façamos uma canção inesquecível desta batalha. Mas, pela graça de Deus, o Ocidente não cairá. Pela graça de Deus, ainda podemos receber beleza e propósito, ainda podemos subir onde as tribos sobem, as tribos do Senhor, para dar graças ao nome do Senhor.
Como já disse mais de uma vez, quando penso na enormidade da tarefa de uma Reforma do Evangelho do Ocidente, o Ocidente que amo, dos Estados Unidos, os Estados Unidos que amo, do Brasil, o Brasil que amo, penso na reunião de Éomer e Aragorn. Ao me aproximar ao fim do nosso tempo, gostaria de ler para vocês de O Retorno do Rei, os momentos logo antes dessa reunião. Os Rohirrim varreram o campo, a princípio com grande sucesso, mas sempre em desvantagem numérica. Théoden, seu rei, está morto, e as forças de Rohan estão atoladas e pressionadas por todos os lados. Agora, não estão sozinhos. Húrin, o Alto, e seus homens, e o Príncipe Imrahil e seus cavaleiros, vieram em auxílio de Éomer. Mas não é suficiente. A infantaria de Gondor avança contra as legiões de Morgul na muralha sul, mas não é suficiente.
A esperança no campo de batalha e na cidade de Gondor já está vacilando quando, de repente, as velas negras dos corsários de Umbar aparecem. A ruína é certa. A longa retirada está quase no fim, e a Morte está sobre todos eles.
Claro, nós sabemos que os navios estão cheios de co-laboradores, Aragorn e suas forças. As forças do bem haviam tomado os navios.
Enquanto leio isso, quero que vocês pensem em nosso mundo, neste mundo de Deus. Não vou alegorizar ou correlacionar tudo. Só quero que pensem em nosso mundo, e como ele pode ser igual.
Os Rohirrim, de fato, não precisavam de notícias ou alarme. Bem demais podiam ver por si mesmos as velas negras. Pois Éomer estava agora a menos de uma milha do Harlond, e um grande amontoamento de seus inimigos estava entre ele e o porto ali, enquanto novos inimigos vinham girando por trás, cortando-o do Príncipe. Agora ele olhou para o Rio, e a esperança morreu em seu coração, e o vento que ele havia abençoado ele agora chamava de amaldiçoado. Mas os exércitos de Mordor se encheram de ânimo, e cheios de um novo desejo e fúria vieram gritando ao ataque.
Sério agora estava o humor de Éomer, e sua mente clara novamente. Ele fez soar as trombetas para reunir todos os homens ao seu estandarte que pudessem chegar até lá; pois pensou em fazer um grande muro de escudos no fim, e ficar, e lutar ali a pé até que todos caíssem, e fazer feitos de canção nos campos de Pelennor, ainda que nenhum homem restasse no Ocidente para lembrar o último Rei da Marca. Assim, ele cavalgou até um montículo verde e ali plantou seu estandarte, e o Cavalo Branco ondulou ao vento.
Saí da dúvida, saí da escuridão para o nascer do dia,
Vim cantando ao sol, desembainhando a espada.
Até o fim da esperança cavalguei e até o quebrar do coração:
Agora por ira, agora por ruína e um crepúsculo vermelho!
Esses versos ele falou, mas riu enquanto os dizia. Pois mais uma vez o desejo de batalha estava sobre ele; e ele ainda estava ileso, e era jovem, e era rei: o senhor de um povo feroz. E eis! mesmo enquanto ria do desespero, ele olhou novamente para os navios negros, e ergueu sua espada para desafiá-los.
E então o assombro o tomou, e uma grande alegria; e ele lançou sua espada ao sol e cantou enquanto a pegava. E todos os olhos seguiram seu olhar, e eis! no navio da frente um grande estandarte se abriu, e o vento o exibiu enquanto ele virava para o Harlond. Ali floresceu uma Árvore Branca, e isso era por Gondor; mas Sete Estrelas estavam ao seu redor, e uma alta coroa acima dela, os sinais de Elendil que nenhum senhor carregara por anos além da conta. E as estrelas flamejaram ao sol, pois foram feitas de gemas por Arwen, filha de Elrond; e a coroa era brilhante na manhã, pois era feita de mithril e ouro.
Assim veio Aragorn, filho de Arathorn, Elessar, herdeiro de Isildur, saído dos Caminhos dos Mortos, trazido por um vento do Mar ao reino de Gondor; e a alegria dos Rohirrim foi uma torrente de risos e um brilho de espadas, e a alegria e assombro da Cidade foram uma música de trombetas e um toque de sinos. Mas os exércitos de Mordor foram tomados de perplexidade, e uma grande feitiçaria lhes pareceu que seus próprios navios estivessem cheios de seus inimigos; e um temor negro caiu sobre eles, sabendo que as marés do destino haviam virado contra eles e sua ruína estava próxima.
A leste cavalgaram os cavaleiros de Dol Amroth, expulsando o inimigo diante deles: homens-troll e variags e orcs que odiavam a luz do sol. Ao sul marchou Éomer, e os homens fugiam diante de seu rosto, e eles foram pegos entre o martelo e a bigorna. Pois agora homens saltavam dos navios para os cais do Harlond e varriam para o norte como uma tempestade. Lá vieram Legolas, e Gimli brandindo seu machado, e Halbarad com o estandarte, e Elladan e Elrohir com estrelas na testa, e os duros Dúnedain, Guardiões do Norte, liderando uma grande valentia do povo de Lebennin e Lamedon e dos feudos do Sul. Mas à frente de todos ia Aragorn com a Chama do Ocidente, Andúril como um novo fogo aceso, Narsil re-forjada tão mortal quanto outrora; e em sua testa estava a Estrela de Elendil.
E assim, por fim, Éomer e Aragorn se encontraram no meio da batalha, e apoiaram-se em suas espadas e se olharam, e estavam felizes.
“Assim nos encontramos novamente, embora todos os exércitos de Mordor estivessem entre nós,” disse Aragorn. “Não disse eu isso no Hornburg?”
“Assim falaste,” disse Éomer, “mas a esperança muitas vezes engana, e eu não sabia então que eras um homem previdente. Contudo, duplamente bendita é a ajuda inesperada, e nunca houve um encontro de amigos mais alegre.” E eles apertaram as mãos. “Nem, de fato, mais oportuno,” disse Éomer. “Chegas não cedo demais, meu amigo. Muita perda e tristeza nos acometeram.”
“Então vinguemo-las, antes de falarmos disso!” disse Aragorn, e cavalgaram de volta à batalha juntos.
Outros santos, se fossem de Rohan, podem ter caído defendendo os Vaus de Isen; se de Gondor, talvez suas vidas de fidelidade tenham terminado na luta fracassada pela travessia do Anduin em Osgiliath. Todo santo que morre em sua cama morre na sela. A nós nos cabe a luta final pela cidadela do Ocidente, e não podemos mais recuar.
Matt Chandler uma vez gritou famosamente “você não é Davi”. Você não é Aragorn. Não estou dizendo que você e eu somos Aragorns ou Éomers.
Deus sabe que luta cada um de nós tem, aonde cada uma de nossas lutas nos levará. Acredite ou não, esta palestra não é um chamado para você trabalhar pelo bem dos santos no Brasil. É um chamado à graça, à generosidade, à guerra ofensiva e ao otimismo. É um chamado à alegria da batalha, à alegria do contra-ataque, que nos levará a não sabemos o quê, não sabemos aonde. É um chamado a tomar coragem porque temos irmãos inesperados ao nosso lado. E enquanto nós, e nossos capitães, conseguimos fazer ordem do caos, é um chamado a ver o valor de unirmos braços, de unirmos muros de escudos, e de avançarmos juntos. E se você quer saber mais sobre como isso funciona com o Brasil, fale comigo. Fale com Uri. Fale com Thiago.
Como os hobbits ao longo dos livros de Tolkien, nenhum de nós esperava estar aqui. Não poderíamos ter previsto nem a luta nem a construção. Não poderíamos ter previsto o Brasil. Nunca fomos bons em prever a Reforma, ou dizer para onde o vento soprará. Mas podemos ver, bem diante de nossos olhos, que a Reforma está sobre nós. Isso torna fácil. Tolle, lege. Tolle, milita. Tolle, aedifica.
Deus salve os EUA. Deus salve o Brasil. Deus salve você.
- Referência ao poema Dover Beach de Matthew Arnold. ↩︎
- A “longa derrota” é legado dos pagão germânicos que acreditavam que a história sempre ia para o mal, mas cabia ao homem lutar de qualquer forma. Um artigo sobre Tolkien e a “longa derrota” se encontra neste link: https://stanfordreview.org/decline-without-fall-tolkien-and-the-long-defeat/ ↩︎
- O poeta Alfred Tennyson ↩︎
- Juliana de Norwich ↩︎